domingo, 1 de março de 2009

Economia solidária

* Patrus Ananias

Não é preciso ser vidente ou profeta para saber que o capitalismo fundado na exacerbação do consumismo não aponta para as perspectivas do futuro e da emancipação das pessoas, famílias, comunidades e nações.
Uma sociedade que elege o dinheiro, os bens materiais e a propriedade privada como referências absolutas, em detrimento dos valores éticos e sociais da convivência, da cooperação e da solidariedade, deságua inevitavelmente no individualismo, na violência e na corrupção.
Nada contra o direito de propriedade e nem contra a livre iniciativa, desde que exercidos nos limites do bem comum nacional, da justiça social e do respeito à natureza e ao meio ambiente, mediações que esse tipo de capitalismo tem deixado a desejar.
Como agravantes dessa situação, acrescem ainda as novas exigências e paradigmas do mundo do trabalho. As mudanças tecnológicas e os avanços da informática e da robótica são os reflexos mais visíveis de uma nova realidade nas tradicionais relações de emprego: as empresas produzem mais com menos gente. O desemprego torna-se estrutural.
Diante desse quadro, o Estado e a sociedade devem buscar novos modelos de produção que atendam às crescentes demandas por bens, serviços e necessidades pessoais e coletivas, em novas bases de relações produtivas e políticas. Primeiro e mais visível contraponto a esse tipo de capitalismo, o socialismo autoritário e estatizante tornou-se capitalismo de Estado e não atendeu aos legítimos desejos de liberdade e de expansão das melhores possibilidades humanas. Na busca por um novo modelo de produção, tivemos as experiências auto-gestionárias na Iugoslávia do Marechal Tito.
Também não prosperaram. O marechal, não obstante seu forte nacionalismo e coragem para confrontar o expansionismo totalitário de Stalin, não era dado aos procedimentos democráticos, sem os quais não florescem as novas experiências e organizações.Emergem então as formas econômicas alternativas com o potencial de abrir novas possibilidades de inclusão e desenvolvimento sustentável, como a economia solidária, que vem buscando os seus espaços, identidade, expressões conceituais e práticas. Longe de ser uma realidade acabada, trata-se de uma nova proposta em processo de construção nos mais variados campos produtivos.
A economia solidária nos repõe, e encontra os seus fundamentos teóricos, no movimento Economia e Humanismo, semeado pelas obras e ações do padre Lebret - inspirador, senão o redator, da encíclica do Papa Paulo VI sobre o Desenvolvimento dos Povos, a Populorum Progressio - e na “economia humana” presente nos textos e na vigorosa militância de Emmanuel Mounier. Podemos encontrar também as suas primeiras referências entre nós no solidarismo de padre Fernando Bastos D’Ávila.
Economistas notáveis como François Perrout, Gunnar Myrdal, Celso Furtado e os contemporâneos Joseph Stiglitz e Amartya Sen também se depararam com os limites e fracassos previsíveis dos dois gigantes - capitalismo desembestado e socialismo centralizador e ditatorial - e buscaram novos horizontes ainda que por diferentes caminhos e mediações.
A economia solidária enfrenta seus desafios para se consolidar como tal alternativa. Como construir uma marca e um registro próprios respeitando e promovendo as diversidades? Como liberar as potencialidades dos novos arranjos produtivos em face do poder das grandes corporações? Como prosperar incorporando novas tecnologias e mercados sem perder os compromissos inaugurais com a qualidade, a preservação dos recursos naturais, os valores da partilha e do respeito ao primado da vida? Como manter-se fiel ao princípio da função social da propriedade e do lucro? Como entrar na lógica fria do mercado sem perder o rumo e perder-se?São questões e riscos inerentes aos empreendimentos humanos. Nem por isso podemos abandonar os projetos e horizontes que se abrem quando é a própria sobrevivência da humanidade e dos sonhos mais anunciadores que estão em jogo. Vejo a economia solidária vinculada ao projeto nacional e aos trabalhos de construção de paz elaborando as suas redes emancipadoras. Precisa encontrar apoio do Estado e da sociedade.
O Estado apóia dando o necessário estímulo e sustentação com financiamentos e políticas adequadas; a sociedade, prestigiando bens e serviços que respeitem a saúde e bem-estar das pessoas, as leis da natureza e o compromisso com as gerações futuras.
* Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Artigo Publicado no Correio Braziliense em 11/09/2006

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