segunda-feira, 2 de março de 2009

O fortalecimento de um novo modelo de política social


* Patrus Ananias
Pela primeira vez em muitos anos, a discussão sobre políticas sociais deixou as salas acadêmicas da sociologia, assistência social, ciência política, entre outras, para tomar lugar de destaque na arena pública. Se antes os programas sociais chegavam ao noticiário tão somente quando havia denúncias de clientelismo ou problemas de desvio de recursos, agora estão no centro de um debate de formulação de políticas públicas, onde se discutem responsabilidades do Estado e participação da sociedade.
Essa é mais uma demonstração inequívoca da centralidade das políticas sociais no atual governo que, num ato inaugural, incluiu a questão do direito à alimentação de qualidade como dever de Estado. Demonstra, ainda, que está em formação um novo modelo de políticas sociais, onde o clientelismo e o assistencialismo dão lugar a políticas estabelecidas e regulamentadas em lei, com base em critérios claros e bem definidos, com indicadores sociais servindo de base para orientação e ampliação dos programas.
Esse debate, eliminando as críticas baseadas em falácias feitas por adversários que torcem contra o êxito das políticas sociais, se dá em bases seguras e tem servido para o processo de amadurecimento, de aperfeiçoamento dessa nova concepção de fazer política. E há pelo menos dois aspectos que, considero, devem ser destacados para uma análise mais cuidadosa.
Primeiro é que, ao desmontar a pecha do assistencialismo e do clientelismo que historicamente marcou as ações sociais no país, caminhamos para desfazer o paradoxo, apresentado de maneira equivocada e deturpada, entre "pescar e ensinar a pescar". Não há nenhum paradoxo nessa relação e o presidente Lula deu clara orientação política, quando criou, no início do ano, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, de maneira a reunir, em uma única pasta, a coordenação de ações emergenciais e estruturantes, num esforço de agir no apoio emergencial às famílias carentes dentro de uma perspectiva emancipatória, buscando a inserção econômica e social das pessoas que vinham sistematicamente sendo excluídas do processo produtivo.
Uma pessoa que tem fome não aprende a pescar. Antes, corre o risco de sucumbir e cair no rio, antes que o primeiro peixe caia em seu anzol. Daí a necessidade de o Ministério fazer cumprir a transversalidade de seus programas, articulando políticas de transferência de renda com outras políticas de geração de trabalho e renda, e que apóiem o desenvolvimento regional, os arranjos das economias locais, estimulando o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Ao mesmo tempo, há o desafio da transversalidade entre os demais ministérios, pautados pela orientação de governo de conciliar crescimento com justiça social, com inclusão das pessoas.
No final de novembro, participei no Palácio do Planalto de uma cerimônia de lançamento do programa de microcrédito, do Ministério do Trabalho e Emprego, que, em sua elaboração contou com contribuições, dentre outras pessoas, dos professores José Graziano e Paul Singer. Esse programa incorpora essas orientações do presidente, e estamos trabalhando em conjunto, numa linha de transversalidade, para maximizar e potencializar os recursos. Nossa idéia é articular essa política com outros programas e ações do Ministério do Desenvolvimento Social, de modo a garantir a emancipação das famílias atendidas.
Uma pessoa que tem fome não aprende a pescar, corre o risco de cair no rio antes que o peixe caia no anzol
O segundo ponto que destaco dentro do debate em torno do social é o fato de que a polêmica se apresenta com uma divisão básica entre dois grandes grupos que apresentam sua posição de maneira clara e distinta: de um lado, estão os chamados universalistas, que defendem a ampliação dos programas a todos os brasileiros indistintamente, e do outro lado, estão os chamados focalistas, que pregam a adoção de políticas bastante direcionadas a necessidades específicas da população carente, ou seja, dentro dos necessitados, atender somente aqueles a quem todas as alternativas já falharam.
Nesse ponto, o governo entra no debate também com sua posição muito claramente definida. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, buscamos, nesse ínterim, a "justa medida", para usar a herança filosófica de Aristóteles. A nossa fórmula se enquadra na linha de "universalização progressiva", inclusive com o apoio do Banco Mundial. Os parâmetros de atendimento de todos os nossos programas são definidos em lei, seguindo essa linha.
O Bolsa-Família tem sido o centro da discussão entre esses dois grupos, e nós já adotamos a linha que nos conduziu no processo de implantação e continuará orientando a ampliação e, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento do programa. Não há recursos suficientes para atender a todo mundo ao mesmo tempo, por isso optamos por uma implantação progressiva, identificando as famílias pobres que necessitam de ajuda para encontrarem o caminho da inserção. Mas não podemos nos deter naqueles que passam fome, porque nossas políticas têm também um caráter preventivo e queremos evitar que os pobres resvalem para a indigência, evitar que as pessoas percam a dignidade e a esperança de um futuro melhor.
A definição desse público é importante também para que se construa um mapa dos problemas sociais do país, o que estamos fazendo durante o cadastramento das pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família, detalhando a situação de cada uma, para formar um banco de dados consistente para orientar a formulação das demais políticas necessárias para melhoria da qualidade de vida.
O critério utilizado para definir o perfil de nossos beneficiários é o critério estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para definir os que se encontram na linha da pobreza - os que recebem entre R$ 50 e R$ 100 por mês - e os que estão abaixo dela - aqueles que ganham até R$ 50 mensais. Podemos discutir questões metodológicas do corte dos beneficiários, discutir associação de outros critérios junto ao critério financeiro do corte metodológico adotado, desde que não comprometa o caráter preventivo dos programas. Tampouco vamos permitir que as políticas sejam adotadas sem critérios claros para orientar as ações para aqueles que realmente precisem.
Não vamos abrir mão de nossos princípios e, a partir deles, queremos estimular ainda mais esse debate até então inédito sobre as políticas públicas com a determinação de encontrar a justa medida para saldar a nossa dívida social.
*Patrus Ananias é Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

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