domingo, 1 de março de 2009

Pós-modernidade e ética

Aprendendo com as lições da história, cabe-nos a tarefa de construirmos, a partir do Brasil, os caminhos de uma nova civilização

* Patrus Ananias

O conceito de pós-modernidade ainda não está consolidado. Pelo contrário, estamos longe de uma compreensão consensual do termo que continua desafiando estudiosos das mais diferentes áreas do conhecimento.
Alguns negam-lhe qualquer base teórica ou prática. Outros o colocam no campo dos desdobramentos provenientes da própria modernidade. Com respaldo em muitos e bons autores, dizemos que a modernidade emerge com o Renascimento, com a obra de Maquiavel dissociando o poder e a política dos princípios éticos; com a filosofia de Descartes fundada na razão como valor absoluto e no método como forma de sistematização e expansão da pesquisa e do saber.
Já então a modernidade vivia os seus primeiros conflitos, com Giambattista Vico e Pascal, que transcendiam o racionalismo renascentista e a lógica cartesiana incorporando outros “produtos humanos”.
Emergem as teorias contratualistas, com Hobbes, Locke e Rousseau, encontrando em Kant a sua mais refinada expressão filosófica. Na literatura, dois autores marcaram definitivamente a cultura ocidental: Cervantes e Shakespeare, filhos geniais da modernidade, e, paradoxalmente, seus dois primeiros grandes críticos. A modernidade se propunha, ainda nos parâmetros da tradição grega e medieval, a uma compreensão universal e sistêmica do “fenômeno humano” com a idéia do progresso constante que levaria às grandes revoluções políticas e tecnológicas dos três últimos séculos.
A pós-modernidade é a quebra da unidade conceitual e universalizante da modernidade. Para alguns autores, a sua emergência histórica visível explode nos acontecimentos de 1968, mas suas raízes seguramente são mais remotas. Sem voltarmos aos sofistas gregos, podemos buscar na crítica e no pessimismo de Shopenhauer, no século 19, um forte contraponto ao otimismo moderno e iluminista do progresso e da técnica. A poderosa e controvertida obra de Nietzsche subverte a metafísica e desenvolve a mais dura crítica ao legado das tradições cristã, greco-romana e à própria modernidade nos seus pontos mais vulneráveis. É a exacerbação do indivíduo no contexto da força e do poder. Kierkgaard lança as bases da filosofia existencialista igualmente centrada no indivíduo, relativizando as dimensões da política, tão caras a Maquiavel, aos contratualistas e a Hegel.
Marx, por outro lado, é a supervalorização da política e do econômico. Herdeiro das concepções iluministas, do antropocentrismo e do progresso por meio da ascensão do proletariado e da luta de classes, Marx quebra, todavia, o conceito de modernidade em um de seus pilares básicos: a ordem social fundada no direito de propriedade. Explicita os mecanismos que produzem os pobres, as injustiças e as desigualdades sociais. Também Freud é um herdeiro genial e rebelde das construções teóricas e ideológicas da modernidade. Um dos mais belos e concisos textos sobre o contrato social está em O mal-estar da civilização. Mas Freud rompe também a unidade da visão de mundo erigida pelos “tempos modernos”, explicitando a terceira grande ferida narcísica - depois de Galileu e Darwin: nós não conhecemos sequer a nós mesmos e os mecanismos do nosso inconsciente.
A pós-modernidade trouxe importantes avanços: a valorização da subjetividade, o reconhecimento dos mais variados movimentos e organizações sociais, a ampliação dos espaços de liberdade e criatividade, o multiculturalismo, novas formas de expressão, o debate sobre o meio ambiente e formas alternativas de produção e de vida. Mas trouxe também novos e grandes desafios, perguntas que decidirão o nosso futuro: se caminharemos para a barbárie e a morte ou ascenderemos juntos às formas mais civilizadoras e justas de convivência. Como preservar e ampliar as boas tradições, a cultura e os valores éticos e democráticos histórica e comunitariamente construídos?
Como criar espaços de debates, construir consensos e normas criativas que promovam o bem comum respeitando os direitos individuais e das minorias? Como superar a subcultura da propaganda, do “achismo”, do individualismo? Como relativizar as verdades impostas, o dogmatismo, o sectarismo, os interesses e ideologias dominantes sem cairmos no relativismo e no relaxamento moral?
Seguramente o caminho não é retorno ao passado, mas uma “volta ao futuro”. Aprendendo com as lições da história, cabe-nos a tarefa de construirmos, a partir do Brasil, os caminhos de uma nova civilização, mais amorosos em relação a nós mesmos, à natureza e sempre abertos aos sinais da transcendência e do mistério.* Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Publicado: 14/09/2006 ESTADO DE MINAS - MG

Um comentário:

  1. Em busca de uma definição de pós-modernidade encontrei aqui um bom começo.

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