segunda-feira, 2 de março de 2009

Prioridade social

*Patrus Ananias

Teoricamente, estamos todos de acordo: o Brasil acumulou, ao longo da sua história, uma grande dívida social que, nas últimas décadas, começou a ganhar feições de tragédia. Além do problema em si – pessoas, famílias, comunidades, que não têm assegurados os direitos e deveres básicos, inerentes à dignidade humana –, as injustiças e desigualdades econômicas e sociais tornaram-se caldo de cultura da violência. Não que os pobres sejam violentos. Violenta é uma parcela poderosa da elite brasileira, que esticou a corda da escravidão até o final do século XIX, que se recusa a vincular os seus interesses particulares ao projeto nacional e à concretização de princípios superiores do bem comum e da função social da propriedade e do lucro. No entanto, é inegável que a pobreza extrema torna as pessoas, e especialmente as crianças e os jovens, vítimas mais vulneráveis na rede perversa da criminalidade. E neste ambiente, os núcleos familiares não se sustentam sem uma renda familiar mínima. Em sua obra, Celso Furtado, nossa mais recente perda, confirma e fortalece a tese de que o investimento em desenvolvimento social é a base para dar sustentabilidade aos projetos de desenvolvimento econômico.

Se há uma ampla concordância de que é preciso cuidar e promover os pobres, a partir, sobretudo, das famílias, as opiniões e ações não convergem tão facilmente na hora de definir os gastos e as prioridades e, com freqüência, retorna o velho chavão: “O Brasil gasta muito na área social, e gasta mal”. Não é verdade que o Brasil gaste muito na área social. Gastamos muito aquém da dívida brutal que acumulamos. Fomos o último país a abolir a escravidão e nada fizemos para integrar, nos direitos e deveres da nacionalidade e da cidadania, os nossos compatriotas afro-brasileiros. Atravessamos o século XX e não submetemos o direito de propriedade – legítimo, mas não absoluto – às exigências do interesse público, do desenvolvimento do País e da justiça social. Assim, não realizamos, como fizeram todos os países civilizados do mundo capitalista, as reformas sociais básicas, como a reforma agrária, a reforma urbana e a reforma tributária, do ponto de vista da justiça distributiva e da eqüidade.

Gastar mal o dinheiro público, o dinheiro do contribuinte, é inaceitável. A guerra à corrupção e às fraudes deve ser implacável. Por isso, estamos tomando todas as providências para proteger os programas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sobretudo o Bolsa Família, contra aqueles que não respeitam o dinheiro público, o dinheiro dos pobres. Historicamente, o governo gastou muito e mal com os ricos. Ainda pagamos a herança de obras faraônicas, superfaturadas e, muitas, inacabadas, que ampliaram o ralo por onde escoou o dinheiro público ao longo de anos. Nunca sobrou dinheiro para priorizar os pobres.

Pela primeira vez na história republicana brasileira, um governante confere às políticas de combate à fome e à pobreza o caráter de prioridade. E, raras vezes, se presenciou no País um trabalho tão intenso de fiscalização do dinheiro público como agora, resultado da aplicação vigorosa do princípio constitucional da publicidade da coisa pública. Esquemas de corrupção infiltrados nos aparelhos burocráticos por mais de dez anos estão sendo expostos em público, numa evidente demonstração do empenho do governo em zelar pelo bom uso do dinheiro público.

O mesmo rigor tem sido aplicado nos programas sociais, principalmente em relação ao Bolsa Família, maior e principal programa de transferência de renda do Fome Zero. A própria existência do Bolsa Família comprova a iniciativa do governo de controlar o gasto público e garantir que chegue exatamente àqueles que precisam, porque nasceu da decisão acertada de unificar os programas de transferência de renda que existiam de maneira não articulada. Para viabilizar isso, procedemos à reformulação do cadastro único e o colocamos disponível para consulta pública, o que deu a transparência necessária para localizar os problemas e fazer os ajustes necessários.

Recentemente, assinamos duas portarias – uma, em conjunto com o Ministério da Saúde, e outra, com o Ministério da Educação – fixando competências para acompanhamento da freqüência escolar e dos procedimentos nos postos de saúde dos beneficiados pelo Bolsa Família. São as chamadas condicionalidades. Também firmamos convênios com o Ministério Público, para fiscalização de qualquer desvio dos recursos do programa. Paralelamente a isso, outras duas portarias formalizam a estrutura da participação social nessa rede de proteção para a devida execução das políticas sociais. E é com essa característica que continuaremos firmes no propósito de ampliar nossos programas, atender as metas do presidente Lula e fazer chegar a cada família que vive na linha da pobreza ou abaixo dela os recursos que elas precisam para promover sua emancipação econômica e social.

*Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

*Artigo publicado originalmente em 25/11/2004 no jornal Estado de Minas (MG).

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