domingo, 1 de março de 2009

Estado nacional

* Patrus Ananias
A velha França acendeu o sinal e explicitou o que muitos já sabíamos: o estado nacional não morreu. Pretenderam sepultá-lo nas ondas do neoliberalismo e da globalização financeira – os novos nomes do capitalismo selvagem e apátrida. Era a idéia do estado mínimo, onde o mercado personificado e pretensamente sapiencial regularia as relações e conflitos sociais e econômicos, tudo reduzido a uma questão de oferta e procura, inclusive os inalienáveis direitos relativos à vida e à dignidade humana. Quando ficou evidente o tamanho da conta e o aumento assustador da dívida social, buscaram a deificação de outro ente para consertar os estragos de mercados sem normas e sem limites; buscaram as organizações não-governamentais.

Pertenço a uma geração forjada nas lutas e movimentos sociais como instrumentos de resistência ao arbítrio e construção da almejada justiça social, que pressupõe distribuição de renda, limites ao direito de propriedade e ao lucro, que devem cumprir sua função social. Defendemos o fortalecimento da sociedade civil e das ONGs na perspectiva da participação popular e da democratização do estado, do poder e das oportunidades. No entanto, essas organizações não substituem o estado nos seus atributos históricos e civilizatórios de organizar a sociedade – sem escamotear as diferenças e os conflitos –, na formulação e implantação de um projeto de desenvolvimento nacional que integre as dimensões da política, do social, do econômico, do cultural. As ONGs atuam em espaços regionais ou setoriais. A integração desses espaços, através do planejamento estratégico, do fortalecimento das instituições e da soberania, da preservação dos valores e conquistas dos nossos antepassados para assegurar os direitos das gerações futuras, é tarefa do estado. É ele que expressa, na condição de organização política da sociedade, os sentimentos de pertencimento a uma história e a um destino comuns a todos.

Sobretudo os povos em formação, como o povo brasileiro, construindo e consolidando a sua identidade e sua força criativa, carecem de estados democraticamente fortes, que cumpram o papel de elementos coesionadores e possibilitadores da expansão do caráter e das qualidades nacionais. Emerge o estado como instrumento normatizador do mercado e dos interesses mais poderosos, para proteger e promover os economicamente mais fragilizados. “Entre o forte e o fraco, é a lei que liberta, a liberdade oprime” (Lacordaire)

Evidente que, além da economia, os direitos humanos, as questões sociais e ambientais e o combate à violência e ao crime globalizado ganham dimensões cada vez mais universais. Os notáveis avanços nos meios de transporte, nas tecnologias de comunicação e na informática tornam o nosso planeta cada vez mais próximo e, esperamos, que também mais solidário. Essa integração, que querem todas as pessoas comprometidas com as causas da humanidade, só será autêntica e duradoura se se fizer no respeito às diversidades e ao pluralismo. Um mundo mais justo e razoável não se constrói sobre uniformidade padronizada e empobrecida, pressupõe sempre a contribuição das diferentes culturas e nacionalidades com as suas marcas e registros próprios.

No atual contexto histórico, não obstante os sonhos generosos e os trabalhos mais variados de construção de paz e cooperação internacional, vivemos a realidade de ações e conflitos comerciais e militares que mostram que os interesses nacionais e a busca de hegemonia e controle continuam fortes e presentes. Nesse quadro, considero absolutamente correta a linha da nossa política externa explicitada pelas palavras e ações do presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores e outros ministérios e órgãos voltados para o comércio e as relações internacionais. O Brasil, parafraseando as palavras do presidente Franklin Roosevelt ao seu povo, nos sofridos anos que seguiram à Grande Depressão de 1929, também tem um encontro marcado com o destino. E o destino do Brasil não pode ficar aquém do tamanho e das riquezas do nosso território, das qualidades humanas e inventivas da nossa gente; há de ser um destino que integre nos direitos e deveres da nacionalidade e da cidadania os hoje mais de 180 milhões de brasileiros e tantos mais quantos forem no futuro. Destino que só poderemos realizar enquanto nação organizada. Nenhum de nós o fará por si.
E a nação se organiza no estado que queremos, sempre democrático e de direito.


* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

* Artigo publicado originalmente no Jornal O Estado de Minas em 09/06/2005

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