segunda-feira, 2 de março de 2009

Mateus

* Patrus Ananias
As relações fraternas entre as famílias permitiram que eu o conhecesse na infância. Cresceu junto com os meus filhos e foi uma forte referência na geração que agora vai se avizinhando e já mesmo ultrapassando a casa dos 30. Mateus Afonso Medeiros foi bom e brilhante desde o começo. À força de uma inteligência privilegiada, somou o gosto pelo estudo, pela reflexão crítica, pelo conhecimento comprometido com os valores éticos e existenciais. Desde a adolescência tocou-o de maneira especial a causa dos direitos humanos em toda a sua extensão e profundidade. Direitos e liberdades individuais, direitos da pessoa, mas também direitos sociais, coletivos, direitos dos povos e das nações. Assim, Mateus encontrou nos estudos jurídicos um curso natural para o estuário de sua vocação e dos seus compromissos. Advogado, depois de algumas andanças atentas pelo mundo – estava nos Estados Unidos quando ocorreram os dramáticos atentados de 11 de setembro de 2001 e nos enviava preciosos comentários sobre aqueles acontecimentos e seus desdobramentos na sociedade daquele país –, Mateus fixou-se em Brasília, quando foi aprovado em concurso público nacional para assessor da Câmara dos Deputados. Leitor refinado, foi desdobrando os conhecimentos jurídicos nos ensinamentos da história, da política – nas suas dimensões práticas e teóricas –, da filosofia. A literatura esteve com ele desde a infância, parte constitutiva que é da vida dos pais que lhe passaram, além do gosto pela boa leitura, a leveza e a elegância do texto.

Quando fui para Brasília exercer o mandato de deputado federal, os nossos laços se estreitaram. Tínhamos reuniões semanais para discutirmos as prioridades e projetos do trabalho parlamentar, questões jurídicas e desafios políticos. Já estava então fazendo o mestrado em ciência política na Universidade de Brasília. Com essas conversas e com os livros que me emprestou, enriqueceu a minha compreensão da história do Brasil. Muito jovem, já era um mestre, sem jamais pretender sê-lo; discreto, sorriso leve, acolhedor.

Ministro, convidei-o a viver no Executivo nacional uma nova experiência. O meu desejo era tê-lo como assessor para assuntos vários e interdisciplinares. Cada vez mais afloram os problemas e possibilidades que transcendem as áreas específicas. São os temas jurídicos que pedem uma compreensão política na perspectiva do bem público, da justiça social. São os meandros da política que buscam as luzes da ética, os ensinamentos da história, a apreensão dos procedimentos técnicos e científicos, a meditação filosófica. São as políticas sociais que demandam novas leituras, integração e complementaridade. Mateus, na sua madura juventude, era a pessoa para ajudar-me na tarefa árdua mas fascinante. Entraves burocráticos da Câmara impossibilitaram, naquele momento, a sua ida. No contexto das modificações que fizemos no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reiterei minha decisão de que Mateus se incorporasse à nossa equipe. Iria às últimas conseqüências, dentro dos procedimentos legais, para aceitar as exigências da Câmara, ainda que considerando excessivas. Chegou a participar de algumas reuniões e cumprir algumas tarefas conosco. Foi tudo. A morte veio antes. Prematura, brutal, inesperada. Aos olhos limitados da nossa frágil condição humana, diria mais: injusta. Injusta com Mateus na sóbria e generosa mocidade dos 29 anos; injusta com aqueles que o amavam e continuam amando; injusta com todos aqueles que sonham e trabalham por um Brasil e um mundo melhores. Mateus era um grande combatente das boas causas. Nele, a inteligência e a bondade se encontravam em paz.

Mateus nos deixa a sofrida, mas doce e fecunda, lembrança de sua presença e seguramente nos faz um apelo – ele que foi vítima da violência insensata do trânsito: vamos colocar a vida como valor mais alto, no centro da organização social e vamos por um paradeiro a essas mortes bestas e estúpidas dos nossos moços. Ainda que a gente saiba que o destino ou, aos olhos da fé, os desígnios de Deus, esteja além da nossa limitada compreensão. Mas existe um espaço, uma responsabilidade e uma escolha que nos pertencem. Assim, a ausência física de Mateus paira sobre nós como dolorosa interrogação. Que a nossa resposta seja, em sua memória, a construção no Brasil de uma sociedade em que todas as condições sejam asseguradas para impedir, nos limites das possibilidades humanas, que as pessoas morram injusta e precocemente.

Publicado originalmente em 17/02/2005 no jornal Estado de Minas (MG).

Um comentário:

  1. Ministro Patrus Ananias e o seu comprometimento popular, leia em http://richard-widmarck.blogspot.com/2010/02/ministro-patrus-ananias-e.html

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