segunda-feira, 2 de março de 2009

Os dois fóruns

* Patrus Ananias

A presença do presidente da República Federativa do Brasil nos fóruns Social Mundial (Porto Alegre) e Econômico Mundial (Davos, Suíça) tem, além das conseqüências práticas, elevada dimensão simbólica. Sinaliza a necessidade vital do diálogo e da escuta e a urgência de promovermos o encontro entre os dois mundos: o mundo dos pobres e excluídos e o mundo do poder econômico e das grandes conquistas tecnológicas e científicas.

Vivemos, no Brasil e no mundo, em sociedades conflitivas e esses conflitos podem e devem ser resolvidos por vias pacíficas, democráticas e éticas

De um lado, não podemos cair no mito de uma globalização unilateral e que pretende eliminar os estados nacionais e, por conseguinte, as identidades e as diferenças que caracterizam os povos e as culturas e fazem a diversidade e a riqueza do processo civilizatório universal. Tampouco podemos desqualificar, como querem alguns, o papel fundamental do estado – estamos falando do estado democrático de direito, comprometido com os princípios éticos e republicanos, que respeita e promove a participação da sociedade civil e dos movimentos populares. Por outro lado, não podemos negar as mudanças paradigmáticas que estão ocorrendo com os espantosos avanços no campo dos transportes, das comunicações – especialmente da informática – que têm elevado potencial de tornar nosso planeta cada vez mais próximo.

De Alexandre, o Grande – redescoberto pelo gênio de Caetano Veloso e agora de volta às telas dos cinemas e às livrarias –, às ambições de domínio do imperialismo inglês nos últimos séculos, passando pelo Império Romano e pelas guerras napoleônicas – que pretendiam unificar a Europa sob a hegemonia francesa –, a utopia de um estado mundial, ou planetário, atravessa a história das civilizações, sempre trazendo um projeto de globalização, mas, como vemos, também impondo a liderança de algum povo ou país.

A globalização contemporânea tem como referência política o poder militar dos Estados Unidos, determinado, como disse sem meias palavras o presidente Bush, a levar a “democracia” a todos os países do mundo. Enquanto isso, vão brigando para se apropriarem das rotas do petróleo no Oriente Médio. Amanhã podem querer também, em nome da globalização, as reservas de água e oxigênio da nossa Amazônia. O outro ponto de apoio da globalização são os interesses econômicos e financeiros; esses são majoritariamente apátridas e desvinculados dos valores morais e humanitários. O general Charles De Gaulle dizia que o grande erro do comunismo, e previa a partir daí o seu fracasso, foi ter posto o conceito de classe acima do de nação. Os pobres e os trabalhadores nunca ficarão contra o seu país. Mas, aqueles que adoram o bezerro de ouro, esses colocam os seus ganhos e interesses particulares acima dos interesses nacionais e da humanidade. A globalização dos nossos dias emerge com o neoliberalismo e o predomínio avassalador do capital sobre o trabalho e os bens públicos e comunitários.

Os fóruns sociais evidenciam a saudável reação dos excluídos e dos que querem retomar o caminho das conquistas e ampliação dos espaços democráticos e sociais. O Fórum Econômico de Davos mostra que os ricos estão descobrindo que devem fazer algumas concessões, se não por uma questão ética e do coração, por questões da própria razão, em face da insegurança e dos riscos decorrentes das injustiças e desigualdades.

O presidente Lula propôs o encontro entre os dois fóruns. No Brasil e no mundo, os maiores líderes políticos e espirituais sempre apontaram o caminho do encontro e do diálogo. Mas os mais esclarecidos entre eles – no Brasil, dom Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima, os mineiros Betinho e Edgar da Matta-Machado; no plano mundial, Gandhi, João XXIII, Martin Luther King e Nelson Mandela, para citar alguns entre tantos –referenciados explícita ou implicitamente no príncipe da paz, rejeitaram o caminho da ingenuidade e das concessões fáceis, que nega os conflitos. Vivemos, no Brasil e no mundo, em sociedades conflitivas – conflitos de interesses econômicos, disputa pelos bens materiais, diferentes concepções e projetos de sociedade – e esses conflitos podem e devem ser resolvidos por vias pacíficas, democráticas e éticas. Mas em nome do entendimento e da conciliação, não podemos calar a voz e o clamor dos pobres. Sobretudo eles devem ser ouvidos, se Davos quer de fato a construção de uma nova ordem mundial, no respeito à soberania dos países e dos povos.

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 03/02/2005

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