domingo, 22 de março de 2009

OIT a Patrus: política social é vanguarda e combate a crise

Ministro Patrus Ananias apresentou programa Bolsa Família durante reunião da Organização Internacional do Trabalho em Genebra, na Suíça

O Brasil está à frente dos outros países na integração dos programas sociais e na integração deles com o desenvolvimento econômico.
Este é o futuro da política econômica social para o mundo e o caminho para superar a crise financeira internacional. Esta é a avaliação que o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavía, fez ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, depois da apresentação do programa Bolsa Família na 304ª. reunião do Conselho de Administração da entidade. “Sua visita à OIT neste momento reforça que as políticas sociais são fundamentais para ajudar a superar esta crise”, afirmou Somavía ao ministro brasileiro. “O Brasil conseguiu criar empregos formais, aliados às políticas sociais, o que é um feito extraordinário.
Demonstrou que é possível e necessário o desenvolvimento econômico aliado ao desenvolvimento social”, reforçou o dirigente máximo da Organização.
O encontro foi realizado na quarta-feira (18/3), na sede da OIT, em Genebra (Suíca), depois que o ministro brasileiro apresentou o programa de transferência condicionada de renda a uma centena de representantes de governos, trabalhadores e empregadores de mais de 80 países.Para um plenário cheio, o ministro brasileiro apresentou o funcionamento e resultados do Bolsa Família e respondeu a perguntas de representantes de países tão diversos quanto Venezuela, Irã, África do Sul, Cingapura, Filipinas, Índia, Uruguai e Síria.
Além da integração das políticas sociais, o ministro destacou a importância de uma sólida base de dados da população beneficiada, como o Cadastro Único brasileiro. “É o mapeamento dos pobres para que possamos desenvolver um conjunto de políticas públicas que possam atender estas famílias”, explicou.Muitos delegados da OIT questionaram a influência da crise financeira internacional na execução das políticas sociais e o ministro Patrus foi enfático: “Neste momento de crise, as prioridades devem ser sociais.
Apelo a todos os países para que possamos somar esforços para cumprirmos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até 2015”. Ele explicou que os recursos dos programas sociais movimentam e dinamizam as economias locais, criando uma nova massa de consumidores e ajudando a enfrentar a crise atual.
Patrus Ananias também lembrou que as políticas sociais não se contrapõem ao trabalho. Muito aplaudido, o ministro encerrou sua participação com um discurso contundente: “Considero fundamental erradicarmos a fome e a desnutrição, virarmos a página desta vergonha histórica. Mas nós queremos mais. Além da emancipação das famílias, queremos construir uma sociedade em que todos, sem exceção, tenham um mesmo patamar de igualdade”.
Para ver a apresentação do ministro, clique aqui.

terça-feira, 17 de março de 2009

Patrus apresenta Bolsa Família ao Conselho da OIT

O programa Bolsa Família será apresentado, nesta quarta-feira (18), a delegações de 85 países que participam da 304ª Reunião do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A palestra do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, ocorrerá às 10h30min (horário local, 5h30min em Brasília), durante a sessão do Comitê de Emprego e Política Social na sede da entidade, em Genebra, na Suíça.
Os representantes do Conselho consideram que o Bolsa Família - que beneficia 11 milhões de famílias em todos os Municípios brasileiros - tem desenho inovador, grande cobertura e impacto social e econômico.
Na quinta-feira (19), a secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Lúcia Modesto, explicará mais detalhadamente o funcionamento do programa de transferência condicionada de renda aos técnicos de diversos departamentos e unidades da OIT (previdência social, saúde, emprego e renda, trabalho infantil, salários, gênero e informalidade).
Além da palestra, o ministro Patrus terá audiências com o diretor geral da OIT, Juan Somavía, e diretores das áreas de Proteção Social, Parcerias e Seguridade Social. O objetivo é discutir uma agenda futura de cooperação entre Brasil e a entidade.
É a primeira vez que o ministro da área social brasileira participa de um evento da Organização.
A OIT é dirigida pelo Conselho de Administração, que se reúne três vezes por ano, em Genebra. Ele é formado por 56 membros titulares dos 178 Estados Membros da OIT, e inclui 28 representantes de governos, 19 representantes de organizações de empregadores e 19 de organizações de empregados. Trata-se do órgão diretivo e executivo de mais alto nível da OIT, que delibera e adota decisões acerca da política, do programa e do orçamento da Organização, determina a ordem do dia da Conferência Internacional do Trabalho, que ocorre anualmente em junho, no mesmo local, e elege o diretor geral.
Dez dos postos governamentais do Conselho são ocupados permanentemente pelos países de maior importância industrial (Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos da América, França, Índia, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia).
Os representantes dos demais países são eleitos a cada três anos.
Portal PT

segunda-feira, 16 de março de 2009

PT busca unidade em torno de Patrus

O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) lançou sua pré-candidatura ao governo de Minas no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha. Em Montes Claros, ele reuniu a militância petista, prefeitos e parlamentares do partido na Igreja das Irmãs Mercedárias e defendeu a unidade do partido no processo de escolha do candidato do PT ao Palácio da Liberdade nas eleições de 2010. Para isso, vai trabalhar no sentido de uma aproximação com o outro pretendente à candidatura, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel.
Em seu discurso ele minimizou possíveis conseqüências negativas das correntes internas, entendendo que a existência delas não desgasta o partido. “Isso é normal e democrático. É preciso, entretanto, que não nos esqueçamos que o PT está acima das correntes”, alertou, ao dizer, nas entrelinhas, que o partido deve marchar unido em torno do candidato que for escolhido. “Todos devemos estar juntos para implantar em Minas um projeto semelhante ao que o governo do presidente Lula está levando adiante no país, com ênfase na justiça social, no desenvolvimento e na soberania”, disse. O ministro foi recebido por centenas de militantes com gritos de “Patrus governador”.
As falas que antecederam Patrus também defenderam a unidade. “O projeto político defendido pelo PT para Minas deve ser discutido com os petistas e não com os nossos adversários, como o PSDB”, disparou o deputado estadual André Quintão, referindo-se ao acordo para a eleição de Márcio Lacerda a prefeito de Belo Horizonte. Ele citou os baixos indicadores sociais de Minas, em contraposição à condição de terceira economia do país, para sustentar que o próximo governador do estado deve ter a marca do governo Lula. Por isso, precisamos eleger Patrus, para ter um governo ousado socialmente”, reforçou.

Políticas sociais em tempos de crise

*Patrus Ananias

Aos que me perguntam sobre até quanto tempo serão necessárias as políticas sociais respondo que elas vieram para ficar.
Mesmo em sociedades mais evoluídas dos pontos de vista econômico, social, cultural e humano, há sempre uma parcela da população mais fragilizada.
São pessoas, famílias e comunidades inteiras que, por circunstâncias, perderam condições de sobrevivência e precisam da ajuda do Estado.
No Brasil, só muito recentemente começamos a estruturar nossa rede de proteção e promoção social.
Temos ainda um longo caminho pela frente. A ausência de política voltada para amparar os mais pobres e combater desigualdades ao longo de nossa história nos legou grande dívida social e estamos empenhando esforços para resgatá-la. Foi para isso que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi criado em fevereiro de 2004, com uma estrutura voltada exclusivamente para atender os mais pobres do país.
Os resultados positivos são visíveis e confirmados em estudos e pesquisas.Para que possa responder ao resgate dessa dívida, o ministério tem de ter caráter permanente. Nossos programas podem mudar e as ações podem ser aperfeiçoadas e adequadas às demandas regionais ou a novas demandas. Porém, as políticas sociais, que agora assumem status de política pública, têm de ter continuidade.
Na assistência social, precisam manter coerência com a determinação constitucional que as coloca junto com a saúde e a Previdência Social como tripé constitutivo da seguridade social. Na segurança alimentar e nutricional, devem estar em sintonia com o princípio que define o direito à alimentação como pressuposto do direito à vida e, por isso, um direito elementar que deve ser garantido pelo Estado.
Se as políticas sociais são indispensáveis em períodos normais, tornam-se mais ainda em períodos como o que estamos vivenciando agora, com uma crise internacional gerada no cerne do sistema capitalista e que ameaça economias de países em desenvolvimento, como a do Brasil.
As políticas sociais funcionam como proteção para amenizar os efeitos da crise, protegendo os mais desvalidos ao estimular seu poder de compra, aquecendo a economia interna. Mas, para assegurar a construção de um ministério duradouro, na perspectiva de consolidar uma rede institucionalizada de proteção e promoção social, carecemos ainda de ajustar e adequar a sua estrutura. Com atuação em todos os 5.563 municípios e no Distrito Federal, atendendo aproximadamente 68 milhões de pessoas (cerca de 37% da população brasileira), o MDS precisa de recursos que aprimorem mecanismos de gestão social para garantir eficiência e eficácia de nossas políticas. Precisamos ter nosso público-alvo bem definido, e os efeitos das políticas, monitorados por eficientes canais de avaliação e controle que gerem indicadores confiáveis que retratem nossa realidade.
Essa é a importância de dois projetos que se encontram em tramitação no Congresso: o projeto de lei nº 3.428/2008, que prevê a reestruturação administrativa do MDS com criação de 164 cargos em comissão na estrutura do ministério; e o projeto de lei da Câmara, que prevê a criação da carreira de desenvolvimento de políticas sociais, entre outras reformulações de carreira no serviço público. O primeiro projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para elaboração da redação final; a segunda proposta aguarda inclusão na ordem do dia do plenário do Senado Federal.
A criação da carreira de desenvolvimento de políticas sociais atende à área social como um todo, mas tem um impacto direto no MDS por causa de sua especificidade e também por ser uma pasta relativamente nova e que está se organizando dentro de um processo de evolução orçamentária e consequente ampliação das atividades. Em conjunto, esses projetos têm o objetivo de criar as condições adequadas para garantir o bom direcionamento dos recursos públicos na área social, aprimorando mecanismos de fiscalização, controle, monitoramento e avaliação. E, se definimos que é importante trabalhar com os pobres com vistas à promoção social de nossa gente, temos de ter pessoas qualificadas para esse trabalho, até mesmo para que estejam preparadas para qualificar os beneficiários de nossas políticas.Investir na gestão dessas políticas é uma questão de coerência e, certamente, trará mais eficácia nos investimentos da área.
E é justamente investimento no desenvolvimento social do nosso povo.
O resultado, sabemos, retorna para a sociedade como um todo, em forma de justiça social, conduzindo a um desenvolvimento mais sustentável e seguro.
*Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Foi prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).
Fonte: Jornal Folha de São Paulo - Site PT/MG Data: 16/3/2009

domingo, 8 de março de 2009

Novos Tempos, Novos Rumos

A Articulação, tendência interna do PT, realizou ontem, 07, os dois primeiros encontros regionais de uma série para debater as diretrizes para as eleições internas do partido, em novembro, e os desafios políticos de 2010 em Minas Gerais.
Com o nome “Novos Tempos, Novos Rumos”, haverá encontros em todas as regiões do Estado.

Os ministros Patrus Ananias e Luís Dulci participaram dos dois encontros que acontecem na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em Betim, e na região Centro-Oeste, no município de Luz.

O Encontro da RMBH foi aberto com exposição do ministro Patrus Ananias sobre a conjuntura política em Minas, tendo como debatedor o cientista político Rômulo Paes e coordenando a mesa a prefeita de Betim, Maria do Carmo Lara. Já o ministro Luís Dulci abordou os desafios para o PT em 2010 e o Processo de Eleições Diretas (PED), que acontece em todo o país para a renovação dos diretórios do partido. Participaram do debate com o ministro o secretário Nacional de Comunicação do PT, Gleber Naime, e o coordenador estadual da Articulação, Ércio Sena.

No Encontro do Centro-Oeste, em Luz, o ministro Luís Dulci participou como expositor e integraram a mesa de debates Gleber Naime e Glaide Andrade, da coordenação da Articulação. Enquanto o ministro Patrus Ananias fez sua exposição, com participação na Mesa do prefeito de Luz, Agostinho Carlos Oliveira e de Rômulo Paes.

Norte, Jequitinhonha e Mucuri

Para o próximo fim-de-semana, estão previstos mais três encontros. No sábado, acontece o Encontro da Região Norte, em Montes Claros, e no domingo o Encontros do Vale do Jequitinhonha, em Itaobim, e o Encontro do Vale do Mucuri, em Teófilo Otoni.

terça-feira, 3 de março de 2009

Patrus Ananias estimula prefeitos a enfrentar a crise econômica

Com enfoque nos recursos destinados ao desenvolvimento dos municípios, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, apresentou uma ampla e detalhada prestação de contas dos investimentos feitos pelo governo federal na região. O Encontro de Prefeitos do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba reuniu cerca de 400 convidados, ontem, na Casa do Folclore.

Ao saldar os participantes, o prefeito Anderson Adauto (PMDB) externou as medidas para conter gastos na administração devido à queda de 10% na arrecadação municipal, que totaliza R$ 50 milhões. Citou o corte de 20% nos cargos comissionados no segundo e terceiro escalões, bem como a redução em 10% no orçamento das creches e entidades filantrópicas. AA também pontuou a retração na receita estadual em 12,2%. “A crise vai bater à nossa porta, só não sei com que intensidade. Portanto, sou obrigado a restringir gastos”, afirmou.

Na palestra, Patrus Ananias evidenciou a importância do Ministério desde a sua criação, em 2002, na consolidação de políticas públicas que resultam em ações de segurança alimentar e assistência social e que corroboram na transformação da renda. Em Minas Gerais no ano passado, o MDS investiu R$ 2,92 bilhões, dos quais R$ 213 milhões foram aplicados em 35 municípios do Triângulo Mineiro. Deste montante, Uberaba recebeu do governo federal R$ 30,3 milhões.

A crise econômica mundial, segundo Patrus, não refletiu no orçamento da pasta, mantido em R$ 33 bilhões para 2009. O ministro discorreu sobre todos os programas geridos pelo MDS, mas apressou sua fala, justificando que o “zunzunzum” entre os convidados, em especial no fundo do salão, traduzia um possível cansaço da plateia. Muitas informações não-perceptíveis no telão deixaram de ser publicamente externadas. As ações estratégicas contemplam municípios inscritos no programa de erradicação do trabalho infantil, Pró-jovem Adolescente e, ainda, no enfrentamento à violência e exploração sexual.

Idosos. Patrus Ananias não escondeu o entusiasmo ao falar do Benefício de Prestação Continuada, pago às pessoas acima de 65 anos, portadores de deficiência e os incapacitados para o trabalho cuja renda familiar seja ¼ do salário mínimo. Em Uberaba, são beneficiados 2.400 portadores de deficiência e 2.600 idosos.

Entretanto, o programa de maior visibilidade no Ministério, na afirmação de Patrus, é o Bolsa Família, que destina R$ 11,1 milhões às famílias pobres com renda per capita de R$ 120. A importância do programa no combate à fome está repercutindo em todo país, resultando inclusive na elevação de recursos. Até o fim de 2009, pelas afirmações do ministro, serão investidos R$ 12,4 milhões.

Crise Ao finalizar a palestra, Patrus Ananias pediu aos prefeitos que enfrentem a crise sem receio. “Os municípios têm um papel essencial na implementação das políticas de desenvolvimento social”, afirmou. O ministro respondeu a poucas perguntas da plateia em razão de compromissos agendados em Brasília, no início da tarde.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O fortalecimento de um novo modelo de política social


* Patrus Ananias
Pela primeira vez em muitos anos, a discussão sobre políticas sociais deixou as salas acadêmicas da sociologia, assistência social, ciência política, entre outras, para tomar lugar de destaque na arena pública. Se antes os programas sociais chegavam ao noticiário tão somente quando havia denúncias de clientelismo ou problemas de desvio de recursos, agora estão no centro de um debate de formulação de políticas públicas, onde se discutem responsabilidades do Estado e participação da sociedade.
Essa é mais uma demonstração inequívoca da centralidade das políticas sociais no atual governo que, num ato inaugural, incluiu a questão do direito à alimentação de qualidade como dever de Estado. Demonstra, ainda, que está em formação um novo modelo de políticas sociais, onde o clientelismo e o assistencialismo dão lugar a políticas estabelecidas e regulamentadas em lei, com base em critérios claros e bem definidos, com indicadores sociais servindo de base para orientação e ampliação dos programas.
Esse debate, eliminando as críticas baseadas em falácias feitas por adversários que torcem contra o êxito das políticas sociais, se dá em bases seguras e tem servido para o processo de amadurecimento, de aperfeiçoamento dessa nova concepção de fazer política. E há pelo menos dois aspectos que, considero, devem ser destacados para uma análise mais cuidadosa.
Primeiro é que, ao desmontar a pecha do assistencialismo e do clientelismo que historicamente marcou as ações sociais no país, caminhamos para desfazer o paradoxo, apresentado de maneira equivocada e deturpada, entre "pescar e ensinar a pescar". Não há nenhum paradoxo nessa relação e o presidente Lula deu clara orientação política, quando criou, no início do ano, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, de maneira a reunir, em uma única pasta, a coordenação de ações emergenciais e estruturantes, num esforço de agir no apoio emergencial às famílias carentes dentro de uma perspectiva emancipatória, buscando a inserção econômica e social das pessoas que vinham sistematicamente sendo excluídas do processo produtivo.
Uma pessoa que tem fome não aprende a pescar. Antes, corre o risco de sucumbir e cair no rio, antes que o primeiro peixe caia em seu anzol. Daí a necessidade de o Ministério fazer cumprir a transversalidade de seus programas, articulando políticas de transferência de renda com outras políticas de geração de trabalho e renda, e que apóiem o desenvolvimento regional, os arranjos das economias locais, estimulando o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Ao mesmo tempo, há o desafio da transversalidade entre os demais ministérios, pautados pela orientação de governo de conciliar crescimento com justiça social, com inclusão das pessoas.
No final de novembro, participei no Palácio do Planalto de uma cerimônia de lançamento do programa de microcrédito, do Ministério do Trabalho e Emprego, que, em sua elaboração contou com contribuições, dentre outras pessoas, dos professores José Graziano e Paul Singer. Esse programa incorpora essas orientações do presidente, e estamos trabalhando em conjunto, numa linha de transversalidade, para maximizar e potencializar os recursos. Nossa idéia é articular essa política com outros programas e ações do Ministério do Desenvolvimento Social, de modo a garantir a emancipação das famílias atendidas.
Uma pessoa que tem fome não aprende a pescar, corre o risco de cair no rio antes que o peixe caia no anzol
O segundo ponto que destaco dentro do debate em torno do social é o fato de que a polêmica se apresenta com uma divisão básica entre dois grandes grupos que apresentam sua posição de maneira clara e distinta: de um lado, estão os chamados universalistas, que defendem a ampliação dos programas a todos os brasileiros indistintamente, e do outro lado, estão os chamados focalistas, que pregam a adoção de políticas bastante direcionadas a necessidades específicas da população carente, ou seja, dentro dos necessitados, atender somente aqueles a quem todas as alternativas já falharam.
Nesse ponto, o governo entra no debate também com sua posição muito claramente definida. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, buscamos, nesse ínterim, a "justa medida", para usar a herança filosófica de Aristóteles. A nossa fórmula se enquadra na linha de "universalização progressiva", inclusive com o apoio do Banco Mundial. Os parâmetros de atendimento de todos os nossos programas são definidos em lei, seguindo essa linha.
O Bolsa-Família tem sido o centro da discussão entre esses dois grupos, e nós já adotamos a linha que nos conduziu no processo de implantação e continuará orientando a ampliação e, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento do programa. Não há recursos suficientes para atender a todo mundo ao mesmo tempo, por isso optamos por uma implantação progressiva, identificando as famílias pobres que necessitam de ajuda para encontrarem o caminho da inserção. Mas não podemos nos deter naqueles que passam fome, porque nossas políticas têm também um caráter preventivo e queremos evitar que os pobres resvalem para a indigência, evitar que as pessoas percam a dignidade e a esperança de um futuro melhor.
A definição desse público é importante também para que se construa um mapa dos problemas sociais do país, o que estamos fazendo durante o cadastramento das pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família, detalhando a situação de cada uma, para formar um banco de dados consistente para orientar a formulação das demais políticas necessárias para melhoria da qualidade de vida.
O critério utilizado para definir o perfil de nossos beneficiários é o critério estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para definir os que se encontram na linha da pobreza - os que recebem entre R$ 50 e R$ 100 por mês - e os que estão abaixo dela - aqueles que ganham até R$ 50 mensais. Podemos discutir questões metodológicas do corte dos beneficiários, discutir associação de outros critérios junto ao critério financeiro do corte metodológico adotado, desde que não comprometa o caráter preventivo dos programas. Tampouco vamos permitir que as políticas sejam adotadas sem critérios claros para orientar as ações para aqueles que realmente precisem.
Não vamos abrir mão de nossos princípios e, a partir deles, queremos estimular ainda mais esse debate até então inédito sobre as políticas públicas com a determinação de encontrar a justa medida para saldar a nossa dívida social.
*Patrus Ananias é Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Mateus

* Patrus Ananias
As relações fraternas entre as famílias permitiram que eu o conhecesse na infância. Cresceu junto com os meus filhos e foi uma forte referência na geração que agora vai se avizinhando e já mesmo ultrapassando a casa dos 30. Mateus Afonso Medeiros foi bom e brilhante desde o começo. À força de uma inteligência privilegiada, somou o gosto pelo estudo, pela reflexão crítica, pelo conhecimento comprometido com os valores éticos e existenciais. Desde a adolescência tocou-o de maneira especial a causa dos direitos humanos em toda a sua extensão e profundidade. Direitos e liberdades individuais, direitos da pessoa, mas também direitos sociais, coletivos, direitos dos povos e das nações. Assim, Mateus encontrou nos estudos jurídicos um curso natural para o estuário de sua vocação e dos seus compromissos. Advogado, depois de algumas andanças atentas pelo mundo – estava nos Estados Unidos quando ocorreram os dramáticos atentados de 11 de setembro de 2001 e nos enviava preciosos comentários sobre aqueles acontecimentos e seus desdobramentos na sociedade daquele país –, Mateus fixou-se em Brasília, quando foi aprovado em concurso público nacional para assessor da Câmara dos Deputados. Leitor refinado, foi desdobrando os conhecimentos jurídicos nos ensinamentos da história, da política – nas suas dimensões práticas e teóricas –, da filosofia. A literatura esteve com ele desde a infância, parte constitutiva que é da vida dos pais que lhe passaram, além do gosto pela boa leitura, a leveza e a elegância do texto.

Quando fui para Brasília exercer o mandato de deputado federal, os nossos laços se estreitaram. Tínhamos reuniões semanais para discutirmos as prioridades e projetos do trabalho parlamentar, questões jurídicas e desafios políticos. Já estava então fazendo o mestrado em ciência política na Universidade de Brasília. Com essas conversas e com os livros que me emprestou, enriqueceu a minha compreensão da história do Brasil. Muito jovem, já era um mestre, sem jamais pretender sê-lo; discreto, sorriso leve, acolhedor.

Ministro, convidei-o a viver no Executivo nacional uma nova experiência. O meu desejo era tê-lo como assessor para assuntos vários e interdisciplinares. Cada vez mais afloram os problemas e possibilidades que transcendem as áreas específicas. São os temas jurídicos que pedem uma compreensão política na perspectiva do bem público, da justiça social. São os meandros da política que buscam as luzes da ética, os ensinamentos da história, a apreensão dos procedimentos técnicos e científicos, a meditação filosófica. São as políticas sociais que demandam novas leituras, integração e complementaridade. Mateus, na sua madura juventude, era a pessoa para ajudar-me na tarefa árdua mas fascinante. Entraves burocráticos da Câmara impossibilitaram, naquele momento, a sua ida. No contexto das modificações que fizemos no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reiterei minha decisão de que Mateus se incorporasse à nossa equipe. Iria às últimas conseqüências, dentro dos procedimentos legais, para aceitar as exigências da Câmara, ainda que considerando excessivas. Chegou a participar de algumas reuniões e cumprir algumas tarefas conosco. Foi tudo. A morte veio antes. Prematura, brutal, inesperada. Aos olhos limitados da nossa frágil condição humana, diria mais: injusta. Injusta com Mateus na sóbria e generosa mocidade dos 29 anos; injusta com aqueles que o amavam e continuam amando; injusta com todos aqueles que sonham e trabalham por um Brasil e um mundo melhores. Mateus era um grande combatente das boas causas. Nele, a inteligência e a bondade se encontravam em paz.

Mateus nos deixa a sofrida, mas doce e fecunda, lembrança de sua presença e seguramente nos faz um apelo – ele que foi vítima da violência insensata do trânsito: vamos colocar a vida como valor mais alto, no centro da organização social e vamos por um paradeiro a essas mortes bestas e estúpidas dos nossos moços. Ainda que a gente saiba que o destino ou, aos olhos da fé, os desígnios de Deus, esteja além da nossa limitada compreensão. Mas existe um espaço, uma responsabilidade e uma escolha que nos pertencem. Assim, a ausência física de Mateus paira sobre nós como dolorosa interrogação. Que a nossa resposta seja, em sua memória, a construção no Brasil de uma sociedade em que todas as condições sejam asseguradas para impedir, nos limites das possibilidades humanas, que as pessoas morram injusta e precocemente.

Publicado originalmente em 17/02/2005 no jornal Estado de Minas (MG).

A força do Fome Zero

*Patrus Ananias
Pouco mais de um ano depois de seu lançamento, o programa Fome Zero está prestes a entrar em uma nova fase de sua implementação.
As ações integradas de implantação e consolidação de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, eixo do programa, estarão mais presentes nos grandes centros urbanos, sem que isto signifique deixar de atender os bolsões de pobreza nos quais o Fome Zero, em 2003, fez diferença na vida de milhões de brasileiros.

A transformação do programa é conseqüência prática dos resultados positivos alcançados no ano passado e também da evolução do conjunto das políticas sociais implementadas pelo governo Lula

A transformação do programa é conseqüência prática dos resultados positivos alcançados no ano passado e também da evolução do conjunto das políticas sociais implementadas pelo governo do presidente Lula, uma vez que, em outubro de 2003, foi criado o Bolsa-Família, que unificou os programas federais de transferência de renda e absorveu parte das ações antes desenvolvidas no âmbito do Fome Zero. Assim, no conjunto das políticas sociais, cabe ao programa Fome Zero organizar ações estruturantes de emancipação social, econômica e cultural daqueles brasileiros que estão, hoje, em situação de risco. O Fome Zero, portanto, deve ser compreendido em vários planos e dimensões.

Em primeiro lugar, é o emblema do anseio coletivo de mobilizar a nação para a erradicação da fome. Ultrapassa, portanto, os limites do governo e as próprias fronteiras nacionais, uma vez que, nos foros internacionais, o presidente Lula tem dado ênfase à necessidade de uma urgente e vigorosa ação concertada para eliminar em escala mundial o problema da fome.

Trata-se de uma prioridade de governo e não especificamente de um ministério. Mais do que isto: diante da grandeza de tal obra, a demanda de recursos humanos e financeiros é gigantesca e, obviamente, demasiado complexa para que um único agente a atenda. O mercado ou a sociedade não serão capazes de, autonomamente, dar cabo de nossa imensa dívida social, tampouco o estado pode avocar com exclusividade tal tarefa. É preciso manter ativo o espaço comum da mobilização cívica, no qual a sociedade se confunde com o estado, em nome de objetivos superiores da nacionalidade, para levar avante o projeto de construir um país de direitos e oportunidades para todos. Na prática, as ações no âmbito do Fome Zero devem representar a soma de esforços dos governos federal, estaduais, municipais, de entidades da sociedade civil, dos trabalhadores, empresários, igrejas, enfim, de todos os homens e mulheres de bem.

No campo prático, o programa, ao longo do ano passado, deu atendimento emergencial, através da distribuição de cestas alimentares, para mais de 1,3 milhão de famílias indígenas, habitantes de comunidades quilombolas e que estão aguardando a inclusão no Programa Nacional de Reforma Agrária; ampliou os repasses da merenda escolar para os municípios; desenvolveu um programa de convivência com a seca, através da construção de cisternas, permitindo que mais de 12 mil famílias que habitam na região semiárida tenham garantia de acesso à água potável, para seu consumo doméstico e na produção agropecuária; viabilizou, através do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que mais de 42 mil famílias vendessem sua produção para o governo federal, obtendo renda e dando sustentação de preços à comercialização da produção de outros milhares de agricultores; assegurou a distribuição de cerca de 1 milhão de litros de leite por dia para crianças de zero a seis, gestantes e mães em fase de amamentação de todo o Nordeste; implantou cozinhas populares, oito bancos de alimentos e incentivou o desenvolvimento da agricultura urbana e de hortas comunitárias, tanto para subsistência como para geração de renda.

O Fome Zero constituiu-se, efetivamente, em um instrumento de implantação de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, que deve ser universalizada. A segurança alimentar é um dos núcleos fundamentais da política estratégica dos países mais ricos, sobretudo daqueles que atravessaram períodos de escassez alimentar decorrentes de guerras ou depressão econômica. Nas regiões metropolitanas, se traduzirá na garantia do acesso a alimentação de boa qualidade à população carente, através de programas de transferência de renda, de restaurante populares, de ações na área de abastecimento e articulação com a produção, para que cada cidadão brasileiro tenha condições de reagir aos estímulos de reinserção na comunidade e no sistema produtivo. A política de segurança alimentar é complemento natural da política de desenvolvimento econômico, já que ambas apontam para a superação do atraso econômico e social e são parte do projeto de construção de uma nação forte. Não vamos pensar apenas em crescer para incluir, mas em incluir para crescer, para que as futuras gerações, ao se debruçar sobre a história do nosso tempo, tenham dificuldade de compreender que, num passado distante, a civilização brasileira debateu-se dolorosamente no limiar da sobrevivência.

* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e membro da Academia Mineira de Letras

* Artigo publicado originalmente em 19/02/2004 no jornal Estado de Minas (MG).

Bolsa Família na educação

*Patrus Ananias
- E você, no meu lugar, o que faria?
– Pegaria todo esse dinheiro e investiria na educação
– Mas se a criança que você manda para a escola passa fome em casa?
– Ora, mas há a merenda escolar.
– Mas para onde volta a criança depois da escola? Que ambiente a encontra? E a importância da família? Como aprender sem o mínimo de segurança afetiva em sua própria casa?

Esse breve diálogo tem-me instigado muito há cerca de um mês, pouco mais pouco menos. Refere-se a um trecho de uma conversa com um jornalista, que eu provoquei, ao final de uma entrevista na qual meu interlocutor me questionava sobre a estrutura do Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do Fome Zero. “Todo dinheiro” a que meu interlocutor se referia é o orçamento de R$ 6,7 bilhões previsto para o programa em 2005 e que, na opinião dele, estariam mais bem empregados se estivessem na educação.

Precisamos atuar em várias frentes para saldar a dívida social que acumulamos ao longo de mais de 500 anos.

Essa conversa me intriga particularmente, porque reflete uma concepção – arraigada há tempo no senso comum – que se impõe como a grande solução para combater a exclusão social sem considerar a complexidade dos problemas sociais ou mesmo a complexidade das políticas educacionais. Embora tenha um fundo de verdade, esse raciocínio se constrói de maneira equivocada, ao opor duas importantes ações de promoção social.

Ninguém questiona que a educação é um direito fundamental da pessoa e desempenha papel estratégico em qualquer política de desenvolvimento social. Importante espaço de convívio, o ambiente escolar pode ser um fator fundamental de combate às desigualdades regionais, como apontam estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de promoção a construção e desenvolvimento de talentos da sociedade. Através da educação, é possível traçar uma linha de inserção social ampliando a formação profissional e oferecendo melhores condições para que a pessoa possa manter-se com dignidade.

O investimento na qualidade da educação é ponto crucial para qualquer sociedade que almeje o crescimento com justiça social. Uma política de inclusão requer obrigatoriamente que se capacite e prepare os jovens para ingressarem num mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Isso implica qualificar a educação, conciliando, de maneira equilibrada e justa, a formação humanística com a capacitação técnica.

Este é o desafio. E diante de tamanha tarefa, não podemos conceber reducionismos, sob pena de comprometer os princípios mais valiosos desse projeto de formação do nosso povo. Para alcançar esses nobres objetivos, é necessário garantir as condições de igualdade para que o direito sagrado da educação chegue a todos.

Deste modo, as políticas de transferência de renda têm a função estratégica de reduzir a desigualdade social e agir como política complementar à política educacional. As condições para que uma criança tenha boa educação começam na família, que antecede e complementa a escola em todos os sentidos. Ao melhorar condições de vida da família, potencializamos seu papel pedagógico. A família é o primeiro ambiente em que se forma a personalidade e se criam os princípios da responsabilidade, da disciplina e da ética. O Bolsa Família, assim como os demais programas do Fome Zero, estrutura-se a partir do compromisso do governo Lula de conter o processo dramático de desintegração da família. Numa família desintegrada, a criança não vai à escola e torna-se presa fácil da violência, do tráfico, da prostituição, da indigência.

Qualquer pessoa que conheça bem os problemas sociais do País, como eu conheço, sabe que, além do combate à fome e à desnutrição, é imperioso reforçar o objetivo deste governo, que é impedir que as pessoas resvalem definitivamente para a miséria. Assim, o Bolsa Família cumpre um papel preventivo. Além de cuidar de quem passa fome, preocupa-se em promover a autonomia das pessoas, inclusive fortalecendo o acesso à educação e criando condições para seu desenvolvimento pessoal, profissional e social. Tanto queremos essa integração que o programa confirma a reafirma a responsabilidade da família em manter seus filhos na escola.

Por isso, o Bolsa Família tem papel preponderante no processo de reconstrução da sociedade em pilares mais justos, solidários e fraternos. Ao permitir que as famílias atendidas tenham acesso a uma alimentação mais saudável, o programa cria um ambiente mais justo para que a família mantenha seus filhos na escola e tenha meios de estimular seu crescimento intelectual, espiritual e profissional. Precisamos atuar em várias frentes para saldar a dívida social acumulada ao longo de mais de 500 anos. As pessoas sabem disso e estão ajudando nesse trabalho. Diante das dificuldades, o governo do presidente Lula está determinado a promover, em conjunto com a sociedade, políticas que possibilitem que nossas famílias se consolidem como espaços pedagógicos de solidariedade e de formação da dignidade humana.

* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

*Artigo publicado originalmente em 11/11/2004 no jornal Estado de Minas (MG).

Um projeto de nação

* Patrus Ananias e Frei Betto
O Fome Zero é uma política pública que visa à erradicação da fome e da exclusão social. É uma política porque expressa a decisão do governo federal de enquadrar o problema da fome como uma questão nacional central e não como uma fatalidade individual. O Estado está alocando recursos humanos e financeiros em praticamente todas as suas áreas de atuação com o objetivo de estender os direitos de cidadania a milhões de brasileiros excluídos.

Trata-se, portanto, de uma política pública porque, além do Estado, envolve toda a sociedade. Em geral, os governantes preferem a sociedade imobilizada.

O governo Lula, ao contrário, criou um gabinete de mobilização social do Fome Zero, que, ao lado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cuida da parceria com a sociedade civil organizada. Assim, empresas, denominações religiosas, ONGs, sindicatos e escolas têm se inserido no mutirão de combate à fome.

A Mobilização Social criou uma rede de mais de 600 educadores populares - o Talher - que, em todos os estados do Brasil, cuida da educação cidadã dos agentes e dos beneficiários do Fome Zero, promovendo capacitação, direitos humanos e civis, fortalecimento dos movimentos sociais, acompanhamento de políticas públicas e implementação dos programas. O ministério articula parcerias para a viabilização de projetos, como a implantação de restaurantes populares nas grandes cidades e a construção de 10 mil cisternas em associação com a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), entre outras iniciativas.

Quando o presidente Lula disse que, se ao final de seu mandato, cada brasileiro tivesse acesso a três refeições diárias, a missão de sua vida estaria cumprida, ele não fazia uma promessa, mas lançava um desafio à sociedade e estabelecia a linha-mestra de um ousado projeto de nação. É por isto que, desde seu lançamento, o Fome Zero alojou-se no espaço comum da mobilização cívica, no qual a sociedade se articula com o Estado.

As ações desenvolvidas no âmbito do Fome Zero não são assistencialistas. O objetivo desta política pública é a inclusão social, através da universalização dos direitos da cidadania, a começar pelos direitos sociais básicos (acesso à alimentação, saúde, educação, previdência e proteção do emprego) visando à redução do déficit social do nosso país. Às iniciativas imediatas, conjugam-se ações estruturantes ligadas à saúde, à educação e à capacitação profissional, com o objetivo de romper o círculo de perpetuação da miséria e emancipar social e economicamente os 11,4 milhões de famílias em situação de risco.

Assim, o Fome Zero é o ambiente mobilizador e o eixo condutor de programas e ações em cinco grandes áreas: segurança alimentar e nutricional, renda de cidadania, programas estruturantes, ações emergenciais e educação cidadã.

Tem o mérito de colocar a fome na pauta política, como foco do projeto nacional, além de propiciar a melhoria dos indicadores sociais dos 1.227 municípios em que foi implantado.

No processo de evolução das políticas sociais, em outubro de 2003 foi lançado o Bolsa Família, que unificou os programas de transferência de renda então existentes - inclusive o cartão-alimentação, criado no início do ano passado como instrumento de segurança alimentar e nutricional. O programa ampliou expressivamente o número de famílias atendidas, bem como o valor do benefício. Já são 4 milhões de famílias atendidas em aproximadamente 5,5 mil municípios. Em julho, o programa, que faz parte do Fome Zero, deverá incluir 4,5 milhões de famílias, priorizando-se sua expansão nas regiões metropolitanas, onde a situação de risco social é mais severa.

A concessão de benefícios às famílias é acompanhada de condicionalidades, isto é, exigem, como contrapartida, que os filhos e as pessoas não alfabetizadas freqüentem a escola e acessem regularmente os serviços de saúde.

O programa incentiva ações positivas para o rompimento do círculo da miséria e para a inclusão social. Juntas, as ações de segurança alimentar e nutricional e de renda de cidadania contam com recursos orçamentários da ordem de R$ 6 bilhões em 2004. É um investimento social sem precedentes na História do país e que expressa o objetivo primordial do governo Lula: promover o desenvolvimento com justiça social.

* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
** Frei Betto é escritor e assessor especial da Presidência da República
* Artigo publicado originalmente em 24/06/2004 no jornal O Liberal (PA)

Prioridade social

*Patrus Ananias

Teoricamente, estamos todos de acordo: o Brasil acumulou, ao longo da sua história, uma grande dívida social que, nas últimas décadas, começou a ganhar feições de tragédia. Além do problema em si – pessoas, famílias, comunidades, que não têm assegurados os direitos e deveres básicos, inerentes à dignidade humana –, as injustiças e desigualdades econômicas e sociais tornaram-se caldo de cultura da violência. Não que os pobres sejam violentos. Violenta é uma parcela poderosa da elite brasileira, que esticou a corda da escravidão até o final do século XIX, que se recusa a vincular os seus interesses particulares ao projeto nacional e à concretização de princípios superiores do bem comum e da função social da propriedade e do lucro. No entanto, é inegável que a pobreza extrema torna as pessoas, e especialmente as crianças e os jovens, vítimas mais vulneráveis na rede perversa da criminalidade. E neste ambiente, os núcleos familiares não se sustentam sem uma renda familiar mínima. Em sua obra, Celso Furtado, nossa mais recente perda, confirma e fortalece a tese de que o investimento em desenvolvimento social é a base para dar sustentabilidade aos projetos de desenvolvimento econômico.

Se há uma ampla concordância de que é preciso cuidar e promover os pobres, a partir, sobretudo, das famílias, as opiniões e ações não convergem tão facilmente na hora de definir os gastos e as prioridades e, com freqüência, retorna o velho chavão: “O Brasil gasta muito na área social, e gasta mal”. Não é verdade que o Brasil gaste muito na área social. Gastamos muito aquém da dívida brutal que acumulamos. Fomos o último país a abolir a escravidão e nada fizemos para integrar, nos direitos e deveres da nacionalidade e da cidadania, os nossos compatriotas afro-brasileiros. Atravessamos o século XX e não submetemos o direito de propriedade – legítimo, mas não absoluto – às exigências do interesse público, do desenvolvimento do País e da justiça social. Assim, não realizamos, como fizeram todos os países civilizados do mundo capitalista, as reformas sociais básicas, como a reforma agrária, a reforma urbana e a reforma tributária, do ponto de vista da justiça distributiva e da eqüidade.

Gastar mal o dinheiro público, o dinheiro do contribuinte, é inaceitável. A guerra à corrupção e às fraudes deve ser implacável. Por isso, estamos tomando todas as providências para proteger os programas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sobretudo o Bolsa Família, contra aqueles que não respeitam o dinheiro público, o dinheiro dos pobres. Historicamente, o governo gastou muito e mal com os ricos. Ainda pagamos a herança de obras faraônicas, superfaturadas e, muitas, inacabadas, que ampliaram o ralo por onde escoou o dinheiro público ao longo de anos. Nunca sobrou dinheiro para priorizar os pobres.

Pela primeira vez na história republicana brasileira, um governante confere às políticas de combate à fome e à pobreza o caráter de prioridade. E, raras vezes, se presenciou no País um trabalho tão intenso de fiscalização do dinheiro público como agora, resultado da aplicação vigorosa do princípio constitucional da publicidade da coisa pública. Esquemas de corrupção infiltrados nos aparelhos burocráticos por mais de dez anos estão sendo expostos em público, numa evidente demonstração do empenho do governo em zelar pelo bom uso do dinheiro público.

O mesmo rigor tem sido aplicado nos programas sociais, principalmente em relação ao Bolsa Família, maior e principal programa de transferência de renda do Fome Zero. A própria existência do Bolsa Família comprova a iniciativa do governo de controlar o gasto público e garantir que chegue exatamente àqueles que precisam, porque nasceu da decisão acertada de unificar os programas de transferência de renda que existiam de maneira não articulada. Para viabilizar isso, procedemos à reformulação do cadastro único e o colocamos disponível para consulta pública, o que deu a transparência necessária para localizar os problemas e fazer os ajustes necessários.

Recentemente, assinamos duas portarias – uma, em conjunto com o Ministério da Saúde, e outra, com o Ministério da Educação – fixando competências para acompanhamento da freqüência escolar e dos procedimentos nos postos de saúde dos beneficiados pelo Bolsa Família. São as chamadas condicionalidades. Também firmamos convênios com o Ministério Público, para fiscalização de qualquer desvio dos recursos do programa. Paralelamente a isso, outras duas portarias formalizam a estrutura da participação social nessa rede de proteção para a devida execução das políticas sociais. E é com essa característica que continuaremos firmes no propósito de ampliar nossos programas, atender as metas do presidente Lula e fazer chegar a cada família que vive na linha da pobreza ou abaixo dela os recursos que elas precisam para promover sua emancipação econômica e social.

*Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

*Artigo publicado originalmente em 25/11/2004 no jornal Estado de Minas (MG).

As condições para ensinar a pescar

*Patrus Ananias
"Dar o peixe ou ensinar a pescar?"
Esse falso paradoxo há muito deveria estar superado nas discussões sobre políticas assistenciais. Mas vejo que é uma concepção tão arraigada no senso comum que é necessário insistir mais uma vez na desmistificação desse dilema que é quase uma instituição nacional.

A dívida social acumulada ao longo de anos no Brasil deixou conseqüências graves e, somando a extensão territorial, um problema com características tão complexas quanto a formação do povo brasileiro. Isso significa que não comporta soluções simplistas, não bastando escolher entre duas opções. Há que ter em mente as peculiaridades da realidade dos problemas dos pobres para não perpetuar a dívida com os excluídos e aumentar ainda mais o fosso que os segrega dos direitos de cidadania -o direito à alimentação, trabalho, educação, saúde, saneamento, habitação.

Em meio à polêmica em torno das políticas de transferência de renda, principalmente em torno do Bolsa-Família, carro-chefe do Fome Zero, temos sido criticados pelos que defendem uma política mais universalista e que amplie o programa indistintamente a todos os brasileiros. Mas temos sido cobrados também pelos "focalistas", que exigem a orientação de recursos unicamente para aqueles que, dentre todos os pobres do país, estejam ainda mais necessitados, que já tenham esgotado todas as alternativas de uma vida digna. Aí entra o falso paradoxo a que me referi, pois aos demais pobres deveríamos ensinar a pescar. No entanto uma coisa não impede a outra. Podemos dar o peixe e ensinar a pescar tanto um quanto o outro. E dar o peixe, nessa perspectiva, muitas vezes significa dar as condições necessárias para que se aprenda a buscar o outro peixe por conta própria.

Temos, segundo dados do IBGE publicados em 2002, 11,4 milhões de famílias que vivem abaixo e na linha da pobreza, e são essas pessoas que queremos atingir com o Bolsa-Família. Essa é a dívida social brasileira herdada pelo governo do presidente Lula e que estamos determinados a resgatar. Não são todos famintos, mas, além de matar a fome dos que não têm o que comer, o programa tem principalmente um caráter preventivo e seu objetivo é evitar que os pobres caiam na indigência; é promover a autonomia das pessoas, inclusive fortalecendo os laços familiares e, com isso, garantir melhor acesso à educação e criar condições para seu desenvolvimento pessoal, profissional e social.

Tanto queremos essa integração que o programa confirma e reafirma a responsabilidade da família em manter seus filhos na escola.

Há famílias que, por um problema ou outro, passam por um período maior de dificuldade, e nesse momento uma ajuda financeira pode ser o ponto de equilíbrio para manter a unidade das pessoas numa casa, para preservar o ambiente familiar de maneira a oferecer condições saudáveis aos filhos. Por isso, a quem me diz que estamos gastando muito com os pobres, respondo que ainda é pouco diante da dívida social que acumulamos. é por falta de apoio a essas famílias que muitas caem na indigência, o que torna mais difícil uma intervenção no problema.

O dinheiro destinado aos pobres tem um efeito prático para além de sua dimensão ética e moral, que é a garantia do direito à vida, à educação, à alimentação de qualidade e à dignidade. Esse efeito prático é estimular a inserção econômica das pessoas, promovendo o desenvolvimento descentralizado, com distribuição de renda. Mas também tem papel de inserção social, de criar condições de igualdade inclusive para acesso à educação e à saúde. Além da dimensão ética e moral de garantia do direito à vida e à alimentação, a política social estimula e dá sustentação ao mercado interno, pois dinamiza economias locais.

Além da educação de qualidade, nossas crianças devem ter condições de usufruir desse direito. Estou mais uma vez convencido de que é necessário desfazer a concepção equivocada em torno de uma solução simplista e reducionista em torno da educação, que acaba sendo apresentada como panacéia para todos os problemas sem considerar a complexidade que a envolve.

O investimento em educação é inquestionável, mas não basta uma boa escola se a criança não tem para onde retornar, se não tem um ambiente familiar que lhe dê segurança afetiva e emocional ou mesmo condições materiais. Numa família desintegrada, a criança não vai à escola e se torna presa fácil da violência, do tráfico, da prostituição, da indigência. Nesse sentido, as políticas de transferência de renda exercem uma função estratégia de impedir o processo perverso de desintegração dos ambientes familiares.

A família é o primeiro ambiente onde se forma a personalidade e se criam os princípios da responsabilidade, da ética e da disciplina; é o ambiente pedagógico por excelência, que antecede e complementa a escola. Por isso estamos determinados a atuar nesse espaço, dando o apoio necessário ao equilíbrio das famílias. Porque através delas é possível dar o peixe e ensinar a pescar; e é possível criar as bases para dar sustentação às outras políticas sociais, para dar sustentação a uma política educacional com foco na formação emancipatória do cidadão.

*Patrus Ananias de Sousa é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

*Artigo publicado originalmente em 27/12/2004 no jornal Folha de São Paulo.

Sobre fatos e versões

*Patrus Ananias
O meu conterrâneo José Maria Alkmim dizia que na política a versão, muitas vezes, prevalece sobre os fatos. É uma sutil versão brasileira da máxima nazista: conte uma mentira mil vezes que ela se tornará verdade. É nisso que estão apostando os nossos adversários, quando falam do Fome Zero, como se não houvesse avanços. Reconhecemos que algumas críticas são justas, procedentes e contribuem para aperfeiçoamento dos programas. Casos outros, como do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, explicitam em torno dos programas uma disputa político-eleitoral, para prejuízo de toda a sociedade. Para quem fez muito pouco e transferiu a questão social para organizações não-governamentais (ONGs), terceirizando as políticas públicas e desequilibrando a saudável relação entre estado e sociedade, fica claro que a crítica perde consistência ao fazer tábula rasa das conquistas do governo Lula e ao superdimensionar as modestíssimas realizações de seu período na área social. Um dado claro é o tamanho da dívida social deixada pelo ex-presidente ao final de seus mandatos, registrada no relatório do PNAD de 2002: 11,4 milhões de famílias vivendo em situação de vulnerabilidade, na linha e abaixo da linha da pobreza.

O Fome Zero é uma política pública que coordena ações e programas para garantir o direito à alimentação e inclusão social em três linhas devidamente articuladas. Primeiro, através de programas voltados para aquisição e acesso a alimentos de qualidade, dentro da orientação da segurança alimentar e nutricional. Entre eles, destaca-se o Programa de Aquisição da Agricultura Familiar, que inclui o programa de compra e distribuição de leite nos estados do Nordeste e no Norte de Minas, no apoio à produção da agricultura familiar, e distribuição de alimentos para a população carente. Junto desses há ainda a implantação de restaurantes populares, hortas comunitárias, bancos de alimentos e projetos de educação alimentar feitos em parcerias com empresas e organizações civis.

Uma segunda linha é a da transferência de renda, com destaque para o Bolsa Família. Aqui, vale observar que, em respeito aos pobres, apesar de termos herdado um cadastro disperso e fragmentário, continuamos a pagar os benefícios anteriores – Bolsa Escola, Vale Gás e Bolsa Alimentação –, enquanto não estão todos incluídos no Bolsa Família, dentro do esforço de unificação do programa, que está permitindo um maior controle sobre o pagamento de todos os benefícios.

Uma terceira linha de atuação do Fome Zero é a promoção de políticas de assistência por meio da articulação de ações emergenciais com outras emancipatórias, fazendo as pessoas se tornarem também sujeito da sua história. Nessa linha, se destacam os programas de geração de emprego e renda, estímulo aos arranjos locais, aos desenvolvimentos regionais, alinhados com programas de apoio às famílias. Na execução de todas essas políticas, além da responsabilidade de todos os entes federados, há a participação da sociedade civil dentro de parâmetros sociais e legais sem abster o estado de sua responsabilidade formuladora e executora de políticas sociais. Aliás, foi o presidente Lula que, num gesto inaugural, colocou o direito à alimentação no campo das políticas públicas.

Só para citar alguns exemplos do que significou essa orientação do presidente Lula, além de criar o Bolsa Família, que hoje chega a 6 milhões de famílias, aperfeiçoamos e ampliamos o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que atende hoje 1 milhão de crianças e adolescentes, tendo obtido no atual governo a primeira expansão significativa desde 2001. Foi no governo Lula que, pela primeira vez, o programa cresceu, a partir de critérios fundamentados em indicadores sociais. Os Benefícios de Prestação Continuada (BPC), pagos aos idosos e portadores de deficiência física que não têm condições de se manterem, chegam a mais de 2 milhões de pessoas. Além disso, implementamos e consolidamos novos programas como o Programa de Atenção Integrada às Famílias, com 901 casas de famílias, em 650 municípios.

Os pobres não devem ser objeto de uma disputa eleitoral menor. Não podemos permitir que as versões deturpem os fatos. O País nunca teve um conjunto de políticas sociais tão abrangente, que permite a conjugação de crescimento econômico com distribuição de renda. O trabalho é árduo, em função mesmo da dívida social que herdamos. Mas vamos potencializar ainda mais os recursos disponíveis, por meio da integração de programas dentro do próprio ministério e de outros ministérios do governo. Por exemplo, está em andamento a integração do Bolsa Família com o Peti, que consiste em maximizar os recursos do Bolsa Família para pagamento das bolsas às famílias atendidas e liberar o recurso do PETI para pagamento da jornada ampliada, o que nos permitirá ter condições de erradicar o trabalho precoce no País, até o final de 2006. E assim, juntos com a participação dos demais entes federados e com a participação da sociedade civil, vamos, sim, num horizonte histórico visível, deixar um Brasil sem fome, que tenha virado a página da fome, da miséria. Mesmo que alguns não queiram.

*Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

*Artigo publicado originalmente em 09/12/2004 no jornal Estado de Minas (MG).

Círculo virtuoso

* Patrus Ananias

Há cerca de quatro anos, uma moradora de Belo Horizonte abordou o então prefeito Célio de Castro para dizer, emocionada, que em pouco tempo estaria devolvendo o cartão do Bolsa-Escola, na época um programa municipal de transferência de renda.

Ela havia conseguido trabalho, não precisaria mais depender do benefício e queria que outra família tivesse a mesma oportunidade. Os programas de transferência de renda, que começaram com iniciativas municipais, são hoje uma realidade para mais de 6 milhões de famílias no país inteiro, atendendo cerca de 30 milhões de pessoas. A história tem mostrado que o investimento em políticas sociais, direcionadas à inclusão das famílias mais pobres, tem sido o caminho mais adequado para estancar o círculo vicioso da pobreza e direcionar para o círculo virtuoso do crescimento.

Segundo a última pesquisa do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a política de combate à fome e à pobreza é a ação do governo Lula mais elogiada, citada positivamente por 42% dos entrevistados. Outra pesquisa, realizada pela Sensus, a pedido da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), indica que as políticas sociais do governo têm aprovação de 65,9% dos entrevistados. Ao mesmo tempo em que nos conforta saber da aceitação de nossas políticas, esse conforto deve servir de combustível para nos incentivar a aperfeiçoá-las, temos de ter a humildade para aceitar os elogios e as críticas na medida certa para fazer os ajustes necessários. Outro sinal importante nos chegou da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que, em seu mais recente relatório, afirma que o Brasil acerta ao apontar o Fome Zero como proposta para universalizar o direito à alimentação de qualidade.

O Bolsa Família, hoje o principal programa de transferência de renda do país e carro-chefe do Fome Zero, foi citado no relatório da Unicef como exemplo de iniciativa favorável à infância. As mais de 6 milhões de famílias beneficiárias recebem um repasse mensal que varia de R$ 15 a R$ 95, dependendo do número de filhos mantidos na escola, mas que pode chegar até a R$ 260, quando prefeitura, estado e governo federal unificam seus programas de transferência de renda. Em contrapartida, as famílias se comprometem a manter os filhos na escola e a observar o controle de saúde das crianças e das mães grávidas e que estejam amamentando. Ou seja, o programa é estruturado de modo a criar uma rede de proteção em torno da família.

Ao lado da expansão do número de famílias atendidas, foram estabelecidas outras prioridades em torno do Bolsa Família, como aprimorar o cadastro das famílias pobres e criar uma rede de fiscalização e controle, para evitar distorções no destino dos recursos. Paralelamente, somam-se esforços para abrir as "portas de saída" do programa, como através dos programas de inclusão produtiva. Essas iniciativas oferecem condições para que as famílias rompam o círculo vicioso da pobreza e reconquistem sua autonomia financeira, exatamente como ocorreu com a moradora de Belo Horizonte e, mais recentemente, com a dona de casa Ione Pereira, de Maringá (PR), e com dona Ivonete Mayer, de Piracaia (SP).

Outros programas estão unindo esforços nesse sentido. São as cisternas que levam água para famílias do Semi-Árido brasileiro, o programa do leite, as Casas da Família, que serem como referência para orientação familiar, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), dentre outros. Eles ajudam outras mães na lida para sair da pobreza.

Os resultados das pesquisas e relatórios apresentados nas últimas semanas mostram que o caminho está sendo corretamente traçado ao mesmo tempo em que reforça o tamanho de nossa responsabilidade. Mais que uma ajuda para alimentação e sobrevivência, temos o desafio de fortalecer as famílias como passagem para cidadania e acesso a outros direitos, como educação e saúde. Uma família desintegrada não permite essa construção; ela precisa estar unida para que cumpra seu papel pedagógico, que antecede e complementa a escola, de se firmar como espaço de sobrevivência onde nascem e se desenvolvem os valores da ética, da moral, da disciplina e da solidariedade.

* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

* Artigo publicado originalmente em 28/12/2004 no jornal Gazeta do Povo (PR).

Os dois fóruns

* Patrus Ananias

A presença do presidente da República Federativa do Brasil nos fóruns Social Mundial (Porto Alegre) e Econômico Mundial (Davos, Suíça) tem, além das conseqüências práticas, elevada dimensão simbólica. Sinaliza a necessidade vital do diálogo e da escuta e a urgência de promovermos o encontro entre os dois mundos: o mundo dos pobres e excluídos e o mundo do poder econômico e das grandes conquistas tecnológicas e científicas.

Vivemos, no Brasil e no mundo, em sociedades conflitivas e esses conflitos podem e devem ser resolvidos por vias pacíficas, democráticas e éticas

De um lado, não podemos cair no mito de uma globalização unilateral e que pretende eliminar os estados nacionais e, por conseguinte, as identidades e as diferenças que caracterizam os povos e as culturas e fazem a diversidade e a riqueza do processo civilizatório universal. Tampouco podemos desqualificar, como querem alguns, o papel fundamental do estado – estamos falando do estado democrático de direito, comprometido com os princípios éticos e republicanos, que respeita e promove a participação da sociedade civil e dos movimentos populares. Por outro lado, não podemos negar as mudanças paradigmáticas que estão ocorrendo com os espantosos avanços no campo dos transportes, das comunicações – especialmente da informática – que têm elevado potencial de tornar nosso planeta cada vez mais próximo.

De Alexandre, o Grande – redescoberto pelo gênio de Caetano Veloso e agora de volta às telas dos cinemas e às livrarias –, às ambições de domínio do imperialismo inglês nos últimos séculos, passando pelo Império Romano e pelas guerras napoleônicas – que pretendiam unificar a Europa sob a hegemonia francesa –, a utopia de um estado mundial, ou planetário, atravessa a história das civilizações, sempre trazendo um projeto de globalização, mas, como vemos, também impondo a liderança de algum povo ou país.

A globalização contemporânea tem como referência política o poder militar dos Estados Unidos, determinado, como disse sem meias palavras o presidente Bush, a levar a “democracia” a todos os países do mundo. Enquanto isso, vão brigando para se apropriarem das rotas do petróleo no Oriente Médio. Amanhã podem querer também, em nome da globalização, as reservas de água e oxigênio da nossa Amazônia. O outro ponto de apoio da globalização são os interesses econômicos e financeiros; esses são majoritariamente apátridas e desvinculados dos valores morais e humanitários. O general Charles De Gaulle dizia que o grande erro do comunismo, e previa a partir daí o seu fracasso, foi ter posto o conceito de classe acima do de nação. Os pobres e os trabalhadores nunca ficarão contra o seu país. Mas, aqueles que adoram o bezerro de ouro, esses colocam os seus ganhos e interesses particulares acima dos interesses nacionais e da humanidade. A globalização dos nossos dias emerge com o neoliberalismo e o predomínio avassalador do capital sobre o trabalho e os bens públicos e comunitários.

Os fóruns sociais evidenciam a saudável reação dos excluídos e dos que querem retomar o caminho das conquistas e ampliação dos espaços democráticos e sociais. O Fórum Econômico de Davos mostra que os ricos estão descobrindo que devem fazer algumas concessões, se não por uma questão ética e do coração, por questões da própria razão, em face da insegurança e dos riscos decorrentes das injustiças e desigualdades.

O presidente Lula propôs o encontro entre os dois fóruns. No Brasil e no mundo, os maiores líderes políticos e espirituais sempre apontaram o caminho do encontro e do diálogo. Mas os mais esclarecidos entre eles – no Brasil, dom Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima, os mineiros Betinho e Edgar da Matta-Machado; no plano mundial, Gandhi, João XXIII, Martin Luther King e Nelson Mandela, para citar alguns entre tantos –referenciados explícita ou implicitamente no príncipe da paz, rejeitaram o caminho da ingenuidade e das concessões fáceis, que nega os conflitos. Vivemos, no Brasil e no mundo, em sociedades conflitivas – conflitos de interesses econômicos, disputa pelos bens materiais, diferentes concepções e projetos de sociedade – e esses conflitos podem e devem ser resolvidos por vias pacíficas, democráticas e éticas. Mas em nome do entendimento e da conciliação, não podemos calar a voz e o clamor dos pobres. Sobretudo eles devem ser ouvidos, se Davos quer de fato a construção de uma nova ordem mundial, no respeito à soberania dos países e dos povos.

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 03/02/2005

A palavra que dá fruto

* Patrus Ananias

A informação, pré-requisito para o êxito de qualquer política pública, tem sido uma das principais ferramentas para dar sustentação vigorosa a nossa política de segurança alimentar. Se essa já era uma convicção construída ao longo do nosso processo de formação política, temos tido a oportunidade de colocar esse conceito à prova através de nossos programas de educação alimentar, onde podemos destacar o Cozinha Brasil, importante parceria que implementamos no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome com o Conselho Nacional do Sesi e empresários do setor industrial.

O programa trabalha com a perspectiva de rede para disseminar e praticar o conceito de segurança alimentar, de promoção de alimentação boa e barata. São 27 caminhões equipados com cozinhas pedagógicas que estão sendo encaminhados aos governos dos Estados e do Distrito Federal para percorrerem, de acordo com uma programação prévia, localidades de difícil acesso para promover cursos de formação e capacitação de educadores alimentares junto às comunidades. Estamos na segunda fase de implantação do programa e até o final do ano todas as unidades da federação estarão equipadas com as unidades móveis. Além do caminhão itinerante, Sesi e Senai oferecem espaços para desenvolver atividades para treinar e dar cursos de educação alimentar.

Dentre outros objetivos, o Cozinha Brasil tem conseguido introduzir nas comunidades atendidas novos hábitos alimentares, apresentando técnicas de conservação e aproveitamento de alimentos, mostrando possibilidades de aproveitamento de alimentos altamente nutritivos mas que, culturalmente, estamos acostumados a jogar no lixo, como talos e cascas. Com isso, torna-se também um instrumento de combate ao desperdício, essa face do triste paradoxo bem ilustrado pelo histórico documentário “Ilha das Flores”, produzido por Jorge Furtado, em 1989: a produção de um lixo rico enquanto uma parcela da população enfrenta dificuldades severas para ter acesso a uma alimentação de qualidade com regularidade necessária.

A redução do desperdício, a médio e longo prazos, promove uma queda no custo dos alimentos vendidos. A curto prazo, as informações disseminadas pelas unidades do Cozinha Brasil estimulam a busca por alternativas mais baratas, o aproveitamento dos recursos disponíveis em cada localidade.

O Ministério investiu R$ 3,3 milhões do total de R$ 5 milhões, que é o orçamento global do projeto. A meta é capacitar, treinar diretamente 124 mil pessoas até o final de 2006, incluindo 17,8 mil educadores na área de educação e segurança alimentar. Mas não podemos esquecer que o programa estabelece uma ampla rede de comunicação, formam-se núcleos disseminadores no interior das famílias e o número de beneficiários indiretos pode ser muito maior. É o poder da palavra que, quando cai em terra fértil, multiplica-se e dá frutos cem por um, como nos ensina o Evangelho e foi muito bem interpretado por Padre Vieira.

No curso, todo conhecimento transmitido aos alunos considera os aspectos culturais relacionados à culinária de cada região, estimulando o aproveitamento de recursos naturais locais. Com isso, favorece a geração de emprego e promove a melhoria da renda familiar. Esse programa desenvolve uma corrente importante do Fome Zero, que é criar condições para exercício prático do conceito de segurança alimentar através de um processo de educação e mobilização popular.

No Cozinha Brasil, um dos objetivos é fazer com que as famílias descubram as muitas possibilidades que elas têm à mão para melhorar a qualidade da alimentação. As lições têm um foco também na ação comunitária, promovendo e estimulando a troca de experiência, a busca por alternativas de acesso a alimentos através de soluções coletivas, como criação de hortas e cozinhas comunitárias. É um programa de educação alimentar, combate ao desperdício, combate à desnutrição e, principalmente, de estímulo à promoção pessoal, cultural, econômica e social dos cidadãos. É também um processo de qualificação pessoal, de compartilhamento da informação para ação, da informação que tem capacidade de mudar a realidade das pessoas. Afinal, essa é uma característica que nos torna humanos. A capacidade de mudar a realidade é talvez uma das melhores virtudes que desenvolvemos ao explorar a potencialidade de nosso “telencéfalo desenvolvido” e do nosso “polegar opositor”, os traços que nos diferenciam dos demais mamíferos, como nos lembra Jorge Furtado.

* Patrus Ananias é Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
* Artigo publicado originalmente no Jornal O Liberal (PA) em 05/05/2005

A eficácia das políticas de transferência de renda

* Patrus Ananias
O Bolsa Família é efetivo e eficiente como mecanismo de desenvolvimento social e de combate à pobreza. Essa avaliação do programa-eixo das políticas sociais do governo do presidente Lula não é retórica partidária, mas fruto de estudos de organismos internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

O diagnóstico positivo tem importantes desdobramentos, tanto internamente quanto no que se refere ao engajamento brasileiro no esforço internacional pela redução da pobreza e das desigualdades. Por esse motivo o Brasil foi convidado a apresentar a experiência em fórum do Banco Mundial, realizado em Washington, há algumas semanas. Representando o governo brasileiro, fui convidado para falar sobre o Bolsa Família para um público formado por ministros e altas autoridades de diversos países, dirigentes e técnicos de organismos internacionais. O interesse por nossa experiência é estimulado pelas análises de especialistas reconhecidos por seu rigor, como o próprio presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn.

Não é a primeira vez que o Banco Mundial atesta a eficácia do Bolsa Família. Em fevereiro último, num seminário sobre políticas sociais organizado pelo organismo a pedido do governo egípcio, na histórica cidade de Luxor, o presidente Wolfenson e o representante no Brasil, Vinod Thomas, ressaltaram o quanto políticas de transferência de renda, como a brasileira, podem ser utilizadas no combate à pobreza em outras partes do mundo. O Bolsa Família, disse então Vinod Thomas, "foi escolhido como modelo para ser apresentado nesse evento no Egito, pois cumpre um objetivo social relevante. É focalizado e ao mesmo tempo atende um universo significativo de pessoas".

O reconhecimento dos organismos internacionais não é apenas verbal. O Banco Mundial contribui com recursos e apoio técnico, sendo exemplo disso o empréstimo que já concedido pela instituição e aprovado pelo Senado Federal, no valor de US$ 572 milhões, e o convênio com o BID no valor de US$ 1 bilhão. Esses recursos serão utilizados para reforçar o financiamento do programa e viabilizar sua implementação, sua avaliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e de fiscalização, inclusive por meio de indicadores e acompanhamento da observância das condicionalidades para a concessão dos benefícios, tais como freqüência escolar, vacinações etc.

A percepção internacional da necessidade de ações específicas de combate à fome e à pobreza e de promoção de um desenvolvimento sustentável levou a os líderes dos 189 países participantes da Cúpula do Milênio, promovida pela ONU em 2000, a estabelecer as "Metas de Desenvolvimento do Milênio". O pacto revela a preocupação de inaugurar uma nova época e construir um mundo mais justo, trazendo a possibilidade de se formar uma rede de solidariedade sem precedentes na história mundial, da qual o Brasil participará ativamente.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi criado em janeiro de 2004 com o objetivo de integrar e ampliar as políticas públicas de assistência social e de segurança alimentar, com o Bolsa Família, articulando políticas emergenciais com ações estruturantes e emancipatórias. Com essa iniciativa, o presidente Lula reafirmava e relançava seu compromisso de vida com a erradicação da miséria no país.

Seria tragicamente fútil negar que estamos longe de resgatar os milhões de brasileiros que sobrevivem abaixo da linha de pobreza. De acordo com os dados da ONU, em 2001 9,9% dos brasileiros viviam com o equivalente a menos de 1 dólar por dia (dólar medido pela paridade do poder de compra), quando a meta nº 1 é reduzir esse percentual a 4,95%, até 2015. Isso ainda é um desafio, mas estamos nos capacitando para vencê-lo.

Em pouco mais de um ano de existência do nosso programa-eixo, o número de famílias beneficiadas passou de 3,6 milhões para mais de 6,5 milhões e o total de recursos repassados à população, de R$ 3,36 bilhões, em 2003, deve chegar a R$ 6,54 bilhões neste ano. São dados como esses que levaram o economista norte-americano Jeffrey Sachs a demonstrar admiração pelas políticas sociais do governo brasileiro, durante a visita que fez ao país na semana passada. Assessor da ONU para o combate à pobreza, ele tampouco se limitou aos elogios, oferecendo-se a colaborar conosco na busca de soluções para alguns dos problemas com os quais ainda nos defrontamos e difundindo nossa experiência e nossa política de desenvolvimento social.

Nosso objetivo, acima de metas, é construir um país melhor, mais justo. Talvez não ainda o dos nossos sonhos, porque sempre queremos um pouco mais. Mas certamente vamos promover o grande encontro do Brasil consigo mesmo porque teremos garantido a todos os brasileiros e brasileiras uma vida minimamente digna. Erradicar a fome a desnutrição e promover a inclusão e a justiça social - essa possibilidade está posta no horizonte visível do nosso tempo e da nossa geração - será a grande revolução no país. Estamos conciliando cada vez mais desenvolvimento econômico com justiça social e essas ações nos conduzem a uma situação melhor porque, além de sua dimensão ética, civilizatória, os direitos sociais têm uma função prática que dinamiza a vida econômica, ao estimular a economia local com a transferência de recursos federais, gerando empregos e aumentado a arrecadação municipal.

* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

* Artigo publicado originalmente no Jornal Valor Econômico em 17/05/2005

Somos árabes e judeus

O terrorismo é inaceitável, mas não pode ser julgado de forma unilateral


*Patrus Ananias

O trágico cenário de violência e mortes que, mais uma vez, recai sobre os povos árabes e judeu, particularmente libaneses e palestinos, além dos sentimentos de humanidade e indignação, despertam com renovadas forças as minhas raízes que remontam ao país dos cedros milenares.
Meu avô materno, de quem herdei o prenome, chegou ao Brasil, ainda muito jovem, no começo do século 20.
Aqui ele se constituiu como homem e cidadão de bem, formou numerosa família, ajudou e ajuda, por meio de seus descendentes, a construir a grande e acolhedora pátria brasileira.
Além dessa vinculação direta dos descendentes que formam a solidária e operosa comunidade líbano-brasileira, todos os brasileiros trazemos no sangue e na cultura a herança árabe que durante séculos marcou presença na península ibérica, desenvolvendo “a brilhante civilização moçárabe”.
Chegou-nos também a influência da tradição árabe islâmica por muitos dos nossos antepassados africanos.
Se tivemos as guerras e os conflitos decorrentes da expansão do mundo árabe e a formação dos estados europeus nos últimos séculos do primeiro milênio, tivemos, também e sobretudo, o legado do pensamento árabe e da tradição islâmica.
Etienne Gilson, n’A Filosofia da Idade Média, depois de sumariar a obra de importantes pensadores muçulmanos, fala sobre Averróis, “cuja influência propagou-se em múltiplas direções durante toda a duração da Idade Média, depois na época da Renascença e até o limiar dos tempos modernos”.
De outra parte, mas partilhando origens comuns com os árabes e outros povos, a tradição judaica expande a sua inspiração, ao longo dos séculos, a todos os cantos do mundo, extrapolando os limites do ocidente.
Os judeus revelaram ao mundo, antecedendo, e na mesma linha ética do Deus do Islã, um Deus da Justiça, comprometido com a história humana e que já no Antigo Testamento anunciava sua universalidade.
Da tradição judaica temos, entre tantos, a herança espiritual superior de João Batista, da Moça de Nazaré e de Jesus, o judeu que chorou sobre Jerusalém e manifestou ao mundo o Deus da compaixão e da misericórdia.
Estão presentes nas páginas da história as discriminações e sofrimentos que se abateram sobre o povo judeu, da diáspora à ignomínia do holocausto.
Muito sofreram também os árabes com as cruzadas, o colonialismo e a escravidão dos vencidos. Muito sofrem os palestinos, sem pátria. Árabes e judeus são, assim, fundadores da nossa cultura e fiadores de projetos emancipadores da condição humana.
Em nome desses valores civilizatórios, é necessário identificar situações e responsabilidades: o povo judeu tem direito à sua pátria e ao seu estado.
Por sua vez, o Estado de Israel, criado por decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), presidida pelo nosso Oswaldo Aranha, deve cumprir as decisões da mesma ONU e retornar às fronteiras anteriores à guerra de 1967.
Assim como os judeus, também os palestinos têm o direito ao seu território e ao seu estado. É urgente assegurar a sobrevivência e a reconstrução do Líbano. A Europa, que tanto ocupou e explorou a região, tem uma responsabilidade especial no processo de construção da paz e de apoio a um vigoroso programa de desenvolvimento econômico e social dos países árabes - um novo Plano Marshall para os povos empobrecidos do Oriente Médio.
O terrorismo é inaceitável, mas não pode ser julgado de forma unilateral. Dezenas de civis indefesos, sobretudo crianças, assassinados é um ato de terrorismo, crime contra a humanidade, venha de onde vier.
O procedimento do Estado de Israel fere o princípio da proporcionalidade. Por mais inadmissível que seja o seqüestro de dois soldados, não se justifica, à luz do direito internacional e da Convenção de Genebra, a destruição de um país.
Acrescem as profundas tradições pacíficas dos libaneses e que no espaço de pouco mais de 30 anos sofreram três processos sucessivos de guerras e agressões.
Profundamente identificado, filho espiritual também do judaísmo, ouso dizer parafraseando João Batista, o profeta: não é licito o que o Estado de Israel, com o apoio incondicional dos Estados Unidos, está fazendo. Na solução dos conflitos, o primeiro gesto magnânimo deve vir dos mais fortes: o poder militar de Israel é incomparavelmente superior, mas talvez não prevaleça em face da resistência desesperada de um povo sem pátria e dos que querem, a todo custo, preservar o que construíram. Não acumulem mais ódios.
A espiral da violência, ensinava dom Hélder Câmara, é interminável.
Só os gestos e iniciativas de reconciliação e paz podem interrompê-la.
*Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Publicado: Estado de Minas 17/08/2006

Crise de valores

* Patrus Ananias

Evidente que há uma grave crise, no Brasil e no mundo, nas instituições que expressam os esforços individuais e coletivos em busca de uma vida melhor, aquilo que o filósofo Eric Weil chamou de felicidade razoável para as pessoas, as famílias e as sociedades politicamente organizadas.
No nosso país, ela se manifesta hoje, de maneira mais grave e aguda, no espaço por excelência da representação popular: o Poder Legislativo.
Mas os acontecimentos de Rondônia e tantos outros mostram que a contaminação é mais profunda.
Em Rondônia, a corrupção era comandada pelos presidentes da Assembléia e do Tribunal de Justiça e pelo procurador-geral de Justiça.
A crise das instituições não elimina o espaço das responsabilidades pessoais, o espaço das escolhas e opções pelo qual cada um de nós é responsável dentro das condicionantes históricas e culturais.
Por isso não pode haver nenhuma concessão com a impunidade.
Entre nós é importante reconhecer, para não perdermos a esperança, que as ações anti-sociais estão sendo confrontadas dentro do mais absoluto respeito às liberdades públicas e democráticas e que há uma ação eficaz da polícia federal, do Ministério Público e da Controladoria Geral da União no desvendamento das práticas de corrupção e no desmantelamento de quadrilhas que há décadas assaltam o patrimônio público.
Importante, sobretudo, resgatar o testemunho das pessoas de bem - a grande maioria do nosso povo - que “não cessam de criar” e tecem as redes da solidariedade, da partilha e da justiça social.
Mas, se não podemos abstrair as responsabilidades dos infratores, tampouco podemos olvidar a frase lapidar do filósofo espanhol Ortega y Gasset: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”.
Em determinados contextos existenciais, marcados pelo rebaixamento dos valores morais e coletivos, a prática da honestidade e das virtudes cívicas torna-se um procedimento quase heróico; implica confrontar, a cada dia, as forças dissolutórias da iniqüidade, da violência, das concessões fáceis e pusilânimes, do poder econômico, dos apelos midiáticos menos edificantes. Prevalece o mais desabrido consumismo, dissociado de qualquer padrão de moralidade e de respeito às tradições históricas e comunitariamente construídas, tornando subjetivos e relativos os valores das relações humanas.
Não são valorizados os projetos compartilhados no plano da família, da comunidade, da pátria e da civilização.
Pessoas eleitas ou aprovadas em concursos públicos para exercerem cargos em nome do bem comum tornam-se predadores, serviçais menores de si mesmos, de sua ganância e ambição desmedidas.
A situação se torna ainda mais complexa quando atos manifestos de má-fé e de enriquecimento ilícito são conscientemente confundidos, para tudo misturar e impedir o justo juízo, com erros ou divergências técnicas de interpretação jurídica, com avaliação e escolhas em situações concretas nem sempre claras e bem delineadas, impondo delicadas opções para quem exerce a difícil missão de decidir em nome do interesse público.
O que estamos vivendo mostra o ensandecimento da lógica do capitalismo levada às suas últimas conseqüências - o reino absolutizado do dinheiro tão vigorosamente denunciado pelo Príncipe da Paz, o Cristo que humanizou e abriu o grande Deus da tradição judaica a todos os povos.
Dentro dessa visão unidimensional está aberto o caminho para as atrocidades que estamos vivendo e sofrendo.
É a corrupção, é a violência dessa coisa estranha chamada crime organizado, mas são também as mães que abandonam os filhos recém-nascidos, filhos que matam pais, amigos e irmãos que se estranham e vão aos limites do homicídio por conta de uma herança ou de um acerto contábil.No momento em que se coloca a urgência de uma profunda reforma política e que se abre até mesmo a possibilidade de uma assembléia constituinte, é necessário recordar que são as pessoas que fazem e executam a lei.
A história ensina que um bom antídoto contra a decadência moral e contra a prevalência dos instintos primários do egoísmo é despertar o desejo e a motivação das pessoas em torno de ideais superiores.
O sentimento compartilhado da pátria tem forte apelo simbólico e real.
Em um horizonte visível, é pensar o país que queremos em 2022, na perspectiva das comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, para que possamos celebrar, além de outras conquistas, a vitória do Estado e da sociedade sobre a violência e a corrupção.
* Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Publicado Correio Braziliense 14/08/2006
 
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